Dicas sem Latim

A beleza humana no olhar de João Roberto Ripper

Neta dançando diante de sua avó, Enedina Maria da Conceição, 95 anos, em Ponta Negra no estado do Rio Grande do Norte (2007)

Muitos de vocês já devem ter visto o trabalho de João Roberto Ripper. Para aqueles que ainda não tiveram a oportunidade, conto aqui um pouco da sua história e como eu conheci esse fotógrafo fantástico.

Carioca e um dos sete filhos de seu Thomaz e dona Dinah, Ripper iniciou sua carreira como fotojornalista aos 19 anos. Após passar por diversas redações e cansado da política editorial dos grandes jornais, ele se filiou na década de 80 à agência fotográfica independente F4, com o objetivo de realizar projetos mais autorais.

Em 1991, com a experiência acumulada, Ripper se desligou da agência e fundou o centro de documentação Imagens da Terra, conhecido por reunir fotógrafos com clara preocupação social. A partir daí, passou a percorrer o Brasil documentando a vida e o trabalho das ligas camponesas, povos indígenas, quilombolas e trabalhadores em condições análogas a de escravos.

Sua proposta é colocar a fotografia a serviço dos direitos humanos, divulgando um outro olhar sobre as pessoas e comunidades negligenciadas pelo Estado e esquecidas pelo grande público. Ao mesmo tempo que informa e ensina, o trabalho de João Ripper emociona.

O site Imagens Humanas foi outro projeto criado (2004) em parceria com Ricardo Funari. Trata-se de espaço destinado a expor e comercializar o seu trabalho fotográfico. Paralelamente, Ripper criou a agência-escola Imagens do Povo, que visa formar fotógrafos populares na Favela da Maré, Rio de Janeiro, e inseri-los no mercado de trabalho.

Com um acervo de mais de 150 mil imagens, a maioria delas em preto e branco, o premiado João Roberto Ripper também realizou trabalhos para a Unesco, Unicef, Comissão Pastoral da Terra e diversos jornais internacionais.

Tive contato com a fotografia do Ripper através da minha pesquisa de mestrado sobre trabalho escravo. Sempre que eu lia algum livro do tema, deparava-me com aquelas imagens impactantes e a curiosidade em torno da pessoa responsável por aquelas fotos foi crescendo.

Um dia, resolvi escrever para ele. O que mais me chamou a atenção foi a sua preocupação e comprometimento com o impacto social do seu trabalho. Apesar da rotina intensa de viagens e obrigações domésticas (Ripper tem 5 filhos), as minhas perguntas e dúvidas nunca ficaram sem respostas.

O João foi um dos primeiros fotógrafos a registrar o trabalho escravo no campo, na época em que os casos de violência física e cerceamento da liberdade dos trabalhadores rurais eram a regra. E, para ter acesso a tais pessoas, algumas vezes, ele fotografou sem a proteção dos grupos móveis de fiscalização (MTE), o que acabou lhe rendendo ameaças, agressões e até prisão.

Foi essa vivência, que não é contada nos livros acadêmicos, que me levou a conhecê-lo e entrevistá-lo. Somente pessoas como o Ripper, que estiveram em contato direto com as vítimas, conseguem explicar o quão grave e indigna é a situação dos trabalhadores escravizados.

É por isso que faço questão de divulgar o seu importante trabalho. Sem dúvida alguma, o João Roberto é uma das gratas surpresas que a vida me proporcionou. Ver as suas fotografias é descobrir um Brasil ainda invisível para muitas pessoas.