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Nova Reforma Trabalhista é instituída pela MP nº 905 – Parte 2

Dando continuidade ao post anterior, a tarefa aqui será a análise de alguns temas que foram objeto de revogação, no dia 12/11/2019, pela Medida Provisória. A pretensão não é esgotar as matérias, até porque a mudança é recente e seus efeitos só serão conhecidos a médio e longo prazo.

A jurisprudência também precisa de tempo para se posicionar sobre as alterações. A título de nota, vários pontos da Lei nº 13.467/2017 ainda estão pendentes de avaliação pelo TST e STF. Logo, o leitor encontrará nos itens a seguir apenas um direcionamento sobre os aspectos mais relevantes.

1- Acidente de Trajeto

Segundo o art. 19 da Lei nº 8.213/91, é considerado acidente do trabalho aquele que ocorre em razão do labor a serviço da empresa, do empregador doméstico ou executado por segurado especial, provocando lesão corporal ou perturbação funcional causadora de morte ou perda, definitiva ou temporária, da capacidade para o trabalho.

Trata-se, pois, de dano à integridade física ou mental do obreiro, resultando no seu afastamento da atividade profissional. Além desse acidente típico, o art. 20 da referida lei estabelece que serão também consideradas como acidente a doença profissional[1][1] A doença profissional é aquela “produzida ou desencadeada pelo exercício de trabalho peculiar a determinada atividade” e constante da relação de que trata o Anexo II do Decreto nº 3.048/99 (art. 20, I da Lei nº 8.213/91). e a doença do trabalho[2][2] A doença do trabalho, por sua vez, é “a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente”, constante da relação de que trata o Anexo II do Decreto nº 3.048/99 (art. 20, II, §§1º e 2º da Lei nº 8.213/91)..

Em seguida, o art. 21 da Lei nº 8.213/91 enumera situações que se equiparam a acidente do trabalho para fins de proteção do INSS e eventual responsabilização. Foi exatamente tal dispositivo que sofreu mudança com a Medida Provisória nº 905, atendendo antigo pleito patronal e gerando impacto nas relações laborais.

Uma vez revogada a alínea “d” do inciso IV do art. 21, a partir de 12/11/2019[3][3] Nesse sentido, conferir o Ofício-Circular nº 1.649/2019 da Subsecretaria da Perícia Médica Federal, vinculada à Secretaria da Previdência., os acidentes ocorridos no trajeto residência – local de trabalho e vice-versa, independente do meio de locomoção do segurado, não integram mais aquele rol específico. Para se ter ideia do efeito dessa alteração, só em 2017[4][4] Dado retirado do Anuário Estatístico de Acidentes do Trabalho (2017, p. 15). os acidentes de percurso totalizaram 100.685 casos das ocorrências registradas.

Do ponto de vista prático, a primeira consequência é a dispensa da emissão da CAT. Nessa hipótese, observada a carência legal e sendo necessário o afastamento, o obreiro gozará de auxílio-doença normal (B-31), com o custeio dos 15 primeiros dias pelo empregador, nos termos dos arts. 25, 59 e 60 da Lei nº 8.213/91.

Embora o empregado não fique desprotegido durante o período de recuperação, a MP afastou a sua estabilidade provisória no trabalho. Isso significa que, recuperada a capacidade laborativa e atestada por exame médico, a empresa poderá rescindir o vínculo sem aguardar o prazo mínimo de 12 meses após o fim do benefício previdenciário:

Art. 118 da Lei nº 8.213/91: O segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantida, pelo prazo mínimo de doze meses, a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente de percepção de auxílio-acidente.
(…)

SÚMULA Nº 378 DO TST: ESTABILIDADE PROVISÓRIA. ACIDENTE DO TRABALHO. ART. 118 DA LEI Nº 8.213/1991 (inserido item III) – Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012.
I- É constitucional o artigo 118 da Lei nº 8.213/1991 que assegura o direito à estabilidade provisória por período de 12 meses após a cessação do auxílio-doença ao empregado acidentado (ex-OJ nº 105 da SBDI-1 – inserida em 01.10.1997).
II- São pressupostos para a concessão da estabilidade o afastamento superior a 15 dias e a consequente percepção do auxílio-doença acidentário, salvo se constatada, após a despedida, doença profissional que guarde relação de causalidade com a execução do contrato de emprego (primeira parte ex-OJ nº 230 da SBDI-1 – inserida em 20.06.2001).
III- O empregado submetido a contrato de trabalho por tempo determinado goza da garantia provisória de emprego decorrente de acidente de trabalho prevista no art. 118 da Lei nº 8.213/91.

No decorrer do período, não caberá o recolhimento de FGTS (art. 15 da Lei nº 8.036/90) e ele não será, igualmente, contado como tempo de serviço (art. 4º, §1º da CLT). Assim, se havia dúvidas a respeito da natureza jurídica desse afastamento, agora, é claro se tratar de suspensão do contrato de trabalho (a partir do 16º dia).

Cumpre sublinhar, todavia, que a descaracterização previdenciária do acidente de trajeto não afeta eventual responsabilidade civil do empregador no caso de dolo ou culpa (arts. 186 e 927 do Código Civil c/c art. 7º, XXVIII da CR/88). São circunstâncias autônomas a título de reparação.

Resta, pois, acompanhar a tramitação da MP nº 905/2019 no Congresso Nacional, a fim de verificar se o presente ponto será mantido pelos parlamentares. Como se sabe, a despeito da vigência imediata da medida (art. 53, III da MP c/c art. 62 da CR/88), ela depende da conversão em lei para que seus efeitos se perpetuem no tempo.

2- Relações Anuais de Empregados

A revogação dos arts. 360 e 361 da CLT, pela Medida Provisória, visa adequar a transmissão da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS)[5][5] Em resumo, a RAIS visa coletar dados para o controle da atividade laboral no país; a elaboração de estatísticas do trabalho; e subsidiar as entidades governamentais em estudos técnicos e definição de políticas públicas. ao processo de informatização e desburocratização das obrigações fiscais, trabalhistas e previdenciárias.

A RAIS, quando foi instituída através do Decreto nº 76.900/75, era apresentada em meio físico (03 vias) perante às repartições competentes do antigo Ministério do Trabalho e Emprego. Contudo, com o avanço tecnológico, tal formato se tornou inviável, seja para o processamento dos dados ou cumprimento da exigência legal pelas empresas, ainda mais as de grande porte.

Logo, a MP simplesmente retirou da CLT os dispositivos supracitados, que já não detinham efeito prático. Segundo a Portaria nº 1.127/2019 da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, a partir do ano-base de 2019 (ou seja, em 2020), essa obrigação deverá ser executada pelo e-Social, sob pena de multa.

Os empregadores, ainda não submetidos ao e-Social, continuam obrigados a transmitir a RAIS, só que a forma será definida no Manual de Orientação, a ser publicado todo mês de janeiro no site www.rais.gov.br (art. 2º, §único da Portaria). Como exemplo, para o ano de 2018, ficou definido o uso do Programa Gerador de Declaração RAIS (GDRAIS2018).

3- Flexibilização do exercício de algumas atividades profissionais

Consoante o art. 5º, XIII da CR/88, é livre o exercício de qualquer trabalho atendidas as qualificações que a lei estabelecer. A edição da MP nº 905/2019 atenuou a parte final desse dispositivo, acarretando mudanças no exercício de algumas profissões.

De forma geral, as alterações atingiram aspectos pontuais, especialmente quanto à necessidade de registro junto ao antigo Ministério do Trabalho e Emprego (ou em seus órgãos regionais). Tal formalidade era essencial ao desempenho regular da atividade dos jornalistas, químicos, publicitários, atuários, arquivistas, radialistas, sociólogos e secretários.

Na hipótese de descumprimento, o infrator estava sujeito à multa, além da suspensão temporária do exercício profissional. Embora pareça obsoleta a mencionada exigência, para os críticos, a sua revogação irá impactar a qualidade dos serviços prestados, com reflexo direto na diminuição dos salários.

Aos jornalistas, a medida é mais grave, porque o STF, anteriormente, dispensou a exigência do diploma de curso superior para o desempenho da atividade. O registro no MTE, portanto, servia de controle mínimo da capacitação dos profissionais. Para a categoria, a medida é uma clara retaliação do governo à imprensa visando o seu enfraquecimento.

Como se não bastasse, a Medida Provisória promoveu a revogação total da Lei nº 4.594/64, que regulava a profissão do corretor de seguros. O objetivo é flexibilizar a atividade propiciando maior abertura do mercado e da concorrência e, assim, gerar a queda no valor final do prêmio dos seguros.

Entretanto, na ADI nº 6.261-DF, o partido Solidariedade ressaltou que a modificação, ao contrário, causará sério retrocesso na proteção do consumidor. É que o corretor desempenha papel relevante no equilíbrio técnico-securitário da relação entre o segurado e a seguradora e a desregulamentação atinge esse ponto em particular.

Nesse sentido, abre-se brecha ao mal exercício da profissão em prejuízo da parte mais vulnerável, além da MP criar obstáculos à fiscalização e punição das condutas irregulares.

Obras consultadas