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Estudo de Caso: Enquadramento sindical e norma coletiva aplicável

Imagine a seguinte situação:

Uma empresa possui sede em determinada cidade, mas presta serviços em todo o Brasil. Os seus empregados estão registrados na sede, só que eles trabalham em diferentes cidades do país no decorrer do mês. A empregadora não possui filiais.

Assim, mensalmente, os obreiros saem da sede, executam o serviço em uma cidade durante 05 dias, e voltam. Depois, eles viajam para outra cidade, trabalham no local por 03 dias, e retornam. Não há um padrão de labor e nem sempre os empregados permanecem a maior parte do tempo na sede da empresa.

Desse modo, indaga-se: qual é a Convenção Coletiva aplicável a tais trabalhadores?

Segundo Maurício Godinho Delgado (2018, p. 1.581-1.582), a organização sindical brasileira se dá pela agregação por categoria e pelo monopólio da representação em determinada base territorial.

A categoria profissional, por força do art. 511, §2º da CLT, abarca trabalhadores que apresentam condições de vida semelhantes, em virtude da vinculação a mesma atividade econômica ou atividades similares ou conexas[1][1] Explica Sérgio Pinto Martins (2019, p. 1.098) que similares “são as atividades que se assemelham, como as que numa categoria pudessem ser agrupadas por empresas que não são do mesmo ramo, mas de ramos que se parecem, como hotéis e restaurantes”. Por outro lado, conexas seriam “as atividades que, não sendo semelhantes, complementam-se, como as várias atividades existentes na construção civil, por exemplo: alvenaria, hidráulica, esquadrias, pastilhas, pintura, parte elétrica, etc”. Nesse último caso, são atividades que concorrem para o mesmo fim.. Logo, em regra, não é o ofício[2][2] A exceção corresponde às categorias profissionais diferenciadas (art. 511, §3º da CLT). Aqui, o critério de reunião é a profissão exercida pelo trabalhador, seja por causa das condições peculiares da atividade ou em função da existência de lei específica reguladora. Trata-se dos professores, motoristas, aeronautas, vigilantes, jornalistas profissionais, vendedores, etc. do empregado que determina o seu enquadramento sindical, mas sim a atividade preponderante[3][3] Conforme o art. 581, §2º da CLT, atividade preponderante é aquela que caracteriza a unidade de produto, operação ou objetivo final, para cuja obtenção há a convergência de todas as demais atividades. do empregador.

Por sua vez, a categoria econômica reúne empresas que exploram atividades idênticas, similares ou conexas, justificando a sua associação para a defesa e coordenação de interesses em comum:

Art. 511 da CLT: É lícita a associação para fins de estudo, defesa e coordenação dos seus interesses econômicos ou profissionais de todos os que, como empregadores, empregados, agentes ou trabalhadores autônomos ou profissionais liberais exerçam, respectivamente, a mesma atividade ou profissão ou atividades ou profissões similares ou conexas.
§1º: A solidariedade de interesses econômicos dos que empreendem atividades idênticas, similares ou conexas, constitui o vínculo social básico que se denomina categoria econômica.
§2º: A similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas, compõe a expressão social elementar compreendida como categoria profissional.
§3º: Categoria profissional diferenciada é a que se forma dos empregados que exerçam profissões ou funções diferenciadas por força de estatuto profissional especial ou em consequência de condições de vida singulares.
§4º: Os limites de identidade, similaridade ou conexidade fixam as dimensões dentro das quais a categoria econômica ou profissional é homogênea e a associação é natural.

O outro critério de organização é a unicidade sindical prevista no art. 8º, II da CR/88 e art. 516 da CLT. Através dele, é vedada a criação de mais de uma entidade, representativa das categorias, na mesma base territorial que não pode ser inferior ao Município.

Art. 8º da CR/88: É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:
(…)
II- é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município;
(…)

Art. 516 da CLT: Não será reconhecido mais de um sindicato representativo da mesma categoria econômica ou profissional, ou profissão liberal, em uma dada base territorial.

Observe, portanto, que não existe verdadeira liberdade de agremiação no Brasil, pois é a lei que fixa a forma de criação dos sindicatos.

É, inclusive, o que explica a não ratificação[4][4] A ratificação de tratado internacional é ato de competência do chefe do Poder Executivo, através do qual o Estado expressa, em definitivo, a sua intenção de cumprir o compromisso firmado. No Brasil, a ratificação deve ser precedida pela aprovação do tratado pelo Congresso Nacional. da Convenção nº 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) pelo país. De acordo com a norma, os trabalhadores e empregadores devem ter o direito de constituir, sem qualquer autorização e intervenção estatal, as entidades de sua escolha, bem como a elas se filiarem e se manterem associados.

Todavia, até que haja emenda na Constituição, o enquadramento sindical se faz pela combinação dos dois critérios supracitados. Destarte, salvo se o empregado pertence à categoria diferenciada, a norma coletiva regente será a do local da prestação de serviços, respeitada a atividade econômica do empregador.

Como bem aponta a jurisprudência trabalhista, tal regra se mantém ainda que a empresa não possua filial (unidade econômica) onde o labor é executado e outro tenha sido o lugar da contratação do empregado. Havendo diferentes locais de serviços, aplica-se a Convenção ou o Acordo Coletivo daquele em que o obreiro labore de forma habitual.

EMENTA: ENQUADRAMENTO SINDICAL. DEFINIÇÃO DOS LEGÍTIMOS REPRESENTANTES DAS CATEGORIAS PROFISSIONAL E ECONÔMICA. NORMAS DE ORDEM PÚBLICA. Nos termos dos arts. 511, §§2º e 3º, e 570 da CLT e 8º, III, da Constituição, o enquadramento sindical do empregado faz-se, em regra, em função da base territorial da prestação de serviços e da atividade preponderante do empregador, salvo no caso de categoria diferenciada, que abrange profissões ou funções regulamentadas por estatuto próprio. O enquadramento sindical se rege, pois, por critérios estabelecidos em normas cogentes/imperativas de ordem pública, marcadas por indisponibilidade absoluta, não existindo margem de discricionariedade para escolha/definição do legítimo representante da categoria, inclusive tendo como fundamento o princípio da unicidade sindical (art. 8º, II, da CR) (TRT da 3ª Região; Processo nº PJe: 0010251-48.2019.5.03.0052 (RO); Órgão Julgador: 7ª Turma; Relator: Convocado Vicente de Paula M. Junior; Disponibilização: 27.09.2019).

EMENTA: ENQUADRAMENTO SINDICAL. O enquadramento sindical não depende da vontade da parte, que se assim lhe fosse permitido escolheria a convenção coletiva que mais lhe trouxesse benefícios. No sistema normativo brasileiro o enquadramento sindical do empregado observa, em regra, a base territorial da prestação dos serviços, e a atividade preponderante do empregador, salvo nos casos de categoria diferenciada (§3º, do artigo, 511 da CLT). O empregado na atividade tida como diferenciada só terá direito às conquistas da categoria na hipótese de participação da empregadora, diretamente ou através do Sindicato que a representa, nas negociações coletivas, nos termos da Súmula 374 do TST (TRT da 3ª Região; Processo nº PJe: 0010459-13.2018.5.03.0102 (RO); Órgão Julgador: 9ª Turma; Relator: João Bosco Pinto Lara; Disponibilização: 30.09.2019).

EMENTA: ENQUADRAMENTO SINDICAL. NORMA COLETIVA APLICÁVEL. BASE TERRITORIAL. As normas coletivas devem ser aplicadas pela observância do devido enquadramento sindical, que envolve a categoria profissional e a base territorial de representação, vale dizer, são aplicáveis ao contrato de trabalho as normas firmadas pelos sindicatos das categorias profissional e econômica da base territorial do local da prestação de serviços. No caso em que a contratação ocorreu em Município diverso daquele considerado base para a prestação de serviços do autor, devem prevalecer as normas firmadas pelo sindicato do local da prestação de serviços, segundo os princípios da territorialidade e da unicidade sindical (art. 8º, II, da CF) (TRT da 3ª Região; Processo nº: 0011020-97.2014.5.03.0095 (RO); Órgão Julgador: 7ª Turma; Relator: Fernando Luiz G. Rios Neto; Disponibilização: 04.12.2015).

EMENTA: NORMAS COLETIVAS. BASE TERRITORIAL DIVERSA DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. INAPLICÁVEL. Em nosso ordenamento jurídico, o enquadramento sindical é definido com base nos princípios da territorialidade e unicidade sindical instituídos pelos artigos 8º, II da CRFB/88 e 516 da CLT. Desta forma, devem prevalecer as normas coletivas com âmbito de abrangência na base territorial onde ocorre a prestação laboral, ainda que seja outro o local da sede da empresa (TRT da 1ª Região; Processo nº: 0010418-37.2014.5.01.0039 (RO); Órgão Julgador: 8ª Turma; Relator: Dalva Amélia de Oliveira Munoz Correia; Disponibilização: 05.06.2015; Data de Julgamento: 26.05.2015).

EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO. ENQUADRAMENTO SINDICAL. FILIAL. NORMA COLETIVA APLICÁVEL. BASE TERRITORIAL. Deve-se respeitar o enquadramento sindical no local do exercício das atividades. É o que se extrai do art. 581, caput, e §1º, da CLT, ou seja, a cada filial corresponderá uma entidade sindical representativa de sua categoria naquela determinada base territorial, cabendo-lhe o recolhimento proporcional da contribuição sindical e, por observância dos arts. 8º, II, da CRFB, 511, §1º, 516 e 611, caput, da CLT, o cumprimento das respectivas normas coletivas. Recurso não provido (TRT da 1ª Região; Processo PJe nº: 0101373-09.2016. 5.01.0019 (RO); Órgão Julgador: 3ª Turma; Relator: Antônio César Coutinho Daiha; Disponibilização: 02.03.2018; Data de Julgamento: 21.02.2018).

EMENTA: REPRESENTAÇÃO SINDICAL. ENQUADRAMENTO SINDICAL. A menos que se trate de atividade vinculada à sede ou filial da empresa e deva ser realizada fora do estabelecimento (como é caso de motoristas e vendedores pracistas), quando se considera que a atividade é exercida no local da sede ou filial onde se fez a contratação, se o trabalhador é contratado para trabalhar, em caráter habitual, fora da base territorial dos sindicatos que representam os trabalhadores e a empresa no local da contratação, a base territorial a considerar para fins de representação sindical é aquela do local de exercício habitual do trabalho (TRT da 1ª Região; Processo nº: 0002900-54.2009.5.01.0432 (RO); Órgão Julgador: 4ª Turma; Relator: Damir Vrcibradic; Disponibilização: 01.07.2010; Data de Julgamento: 24.05.2010).

EMENTA: CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO. LOCAL DE PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. Empresa que presta serviços em localidade diversa da sua sede, ainda que não tenha filial neste local, deve atender às condições de trabalho e salariais constantes nos instrumentos normativos firmados pelos sindicatos do local da prestação de serviços (TRT 1ª Região; Processo nº: 0124600-94.2008.5.01.0023 (RO); Órgão Julgador: 4ª Turma; Relator: Luiz Augusto Pimenta de Mello; Data de Publicação: 12.07.2012).

EMENTA: ENQUADRAMENTO SINDICAL. NORMA APLICÁVEL. ABRANGÊNCIA TERRITORIAL. O enquadramento sindical dos empregados há de ser feito de acordo com a atividade preponderante de seu empregador, salvo quando as funções desenvolvidas pelo trabalhador se inserem nas categorias diferenciadas e, em razão do princípio da territorialidade, o local da prestação de serviços define a aplicação da norma convencional, uma vez que a negociação efetivada espelha as condições de trabalho verificadas em determinada região (TRT 1ª Região; Processo nº PJe: 0100994-36.2017.5.01.0471 (RO); Órgão Julgador: 3ª Turma; Relator: Carina Rodrigues Bicalho; Data de Publicação: 11.04.2018).

Pelo princípio da territorialidade, prevalece a norma coletiva do lugar da prestação de serviços, pois ela reflete melhor as condições de trabalho ali existentes e, por consequência, as necessidades da categoria profissional.

Entretanto, no caso apresentado, a solução é aplicar a Convenção Coletiva da sede da empresa, visto serem diversos os locais de execução das atividades pelos empregados, inexistindo uma cidade na qual os serviços são realizados de maneira preponderante. Veja que os obreiros sempre saem e retornam do mesmo lugar.

Situação bem parecida foi julgada recentemente pelo TRT da 3ª Região (Minas Gerais):

EMENTA: NORMA COLETIVA APLICÁVEL. O enquadramento sindical da categoria profissional é determinado, em regra, pela atividade econômica preponderante da empresa (art. 581, §1º, CLT). A exceção desta regra se dá em relação às categorias profissionais diferenciadas, que têm regulamentação específica em razão do trabalho diferenciado dos demais empregados da mesma empresa (art. 511, §3º, da CLT). Deve, ainda, ser considerado o local em que ocorreu a prestação de serviços em obediência aos princípios da territorialidade e da unicidade sindical (art. 8º, II, da CRF). Na hipótese, restou evidenciado que o Reclamante, como motorista, prestava serviços em diversas localidades, sendo que a cidade de Teófilo Otoni era de onde cotidianamente partia o Autor para cumprir seus itinerários. Dessa forma, está correta a aplicação das CCT’s juntadas aos autos porque firmadas entre o Sindicato das Empresas de Transportes de Carga do Estado de Minas Gerais e o Sindicato dos Trabalhadores em Transporte Rodoviários de Teófilo Otoni (TRT da 3ª Região; Processo nº PJe: 0011241-95.2018.5.03.0077 (RO); Órgão Julgador: 1ª Turma; Relator: Luiz Otávio Linhares Renault; Disponibilização: 17.07.2019).

No presente caso, não faz sentido a observância de diferentes CCT’s (relativas aos vários locais de serviços) no decorrer do vínculo empregatício. Isso acabaria inviabilizando o negócio, sem falar na insegurança que ocasionaria aos trabalhadores.

Obras consultadas

  • BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 5. ed. revista e ampliada. 2ª tiragem. São Paulo: LTr, 2009, p. 1.234-1.236.
  • DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 17. ed. obra revista, atualizada e ampliada, conforme Lei n. 13.467/17 e MPr. n. 808/17. São Paulo: LTr, 2018, p. 1.581-1.592.
  • MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 35. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 1.084-1.087 e 1.097-1.104.
  • MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 5. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 215-225.