Notícias

Trabalho aos domingos e feriados: o que muda com a Portaria nº 604/2019

Foi publicada no dia 19/06/2019 a Portaria nº 604 da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho que autoriza, de forma permanente, o labor aos domingos e feriados em mais 06 atividades econômicas[1][1] São elas: indústria de extração de óleos vegetais e indústria de biodiesel, excluídos os serviços de escritório; indústria do vinho, do mostro de uva, dos vinagres e bebidas derivados da uva e do vinho, excluídos os serviços de escritório; indústria aeroespacial; comércio em geral; estabelecimentos destinados ao turismo em geral e serviços de manutenção aeroespacial., elevando a relação prevista no anexo do Decreto nº 27.048/49[2][2] O Decreto nº 27.048/49 regulamenta a Lei nº 605/49, que dispõe sobre o repouso semanal remunerado e o pagamento de salário nos dias de feriados civis e religiosos. para 78 áreas.

O objetivo, conforme o Secretário Rogério Marinho, é a criação de empregos, evitando a perda econômica e o fechamento de empresas que precisam funcionar nos dias destinados ao repouso do trabalhador.

Todavia, a referida Portaria não dá um salvo-conduto para os empregadores exigirem trabalho aos domingos e feriados. O ato administrativo deve ser interpretado em conjunto com as normas coletivas da categoria e demais disposições legais sobre a matéria.

Assim, se a Convenção Coletiva em vigor proíbe o labor aos domingos e feriados ou estabelece condições específicas para o trabalho nesses dias, ela deve ser observada, sob pena de criação de passivo trabalhista e eventual aplicação de multa convencional ou legal em prejuízo da empresa.

Embora singelo o texto da Portaria nº 604/2019, recomenda-se cautela na sua aplicação, pois o tema abarca outros aspectos que precisam ser considerados pelo empregador. Abaixo, seguem algumas informações visando a compreensão clara da mudança.

A permissão para o trabalho em dias de repouso

Como se sabe, em regra, é vedado o labor aos domingos e feriados. Tal proibição visa garantir a recuperação física e a inserção social do empregado na comunidade, inclusive através da celebração de datas civis e religiosas relevantes.

Art. 1º da Lei nº 605/49: Todo empregado tem direito ao repouso semanal remunerado de vinte e quatro horas consecutivas, preferentemente aos domingos e, nos limites das exigências técnicas das empresas, nos feriados civis e religiosos, de acordo com a tradição local.

Art. 8º da Lei nº 605/49: Excetuados os casos em que a execução do serviço for imposta pelas exigências técnicas das empresas, é vedado o trabalho em dias feriados, civis e religiosos, garantida, entretanto, aos empregados a remuneração respectiva, observados os dispositivos dos artigos 6º e 7º desta lei.

Art. 1º do Decreto nº 27.048/49: Todo empregado tem direito a repouso remunerado, num dia de cada semana, perfeitamente aos domingos, nos feriados civis e nos religiosos, de acôrdo com a tradição local, salvo as exceções previstas neste Regulamento.

Art. 5º do Decreto nº 27.048/49: São feriados e como tais obrigam ao repouso remunerado em todo o território nacional, aqueles que a lei determinar.

Entretanto, nem sempre é possível a paralisação total das atividades nesses dias. É a situação, por exemplo, do transporte coletivo de passageiros e da coleta de lixo domiciliar.

Nesse sentido, quando o interesse público ou as condições peculiares da atividade econômica tornam indispensável a continuidade do serviço, admite-se o trabalho aos domingos e feriados (art. 68, §único da CLT, art. 5º, §único da Lei nº 605/49 e art. 6º do Decreto nº 27.048/49). Essa é a razão para o legislador ter utilizado o termo “preferencialmente” quando tratou do repouso semanal remunerado.

Verificadas tais exigências, é concedida em caráter permanente autorização para o funcionamento da atividade. A princípio, a citada permissão era dada através de decreto do Poder Executivo. Com a edição do Decreto nº 83.842/79, foi delegada a competência ao Ministro do Trabalho e Emprego.

Uma vez extinto o Ministério do Trabalho e Emprego pela reforma administrativa do governo Bolsonaro[3][3] Sobre o tema, conferir post publicado no dia 06/04/2019., essa atribuição passou ao Ministro da Economia que, por sua vez, delegou[4][4] A referida delegação de competência pelo Ministro da Economia se deu através da Portaria nº 171/2019. a competência ao Secretário Especial de Previdência e Trabalho, culminando na Portaria nº 604/2019 aqui em estudo.

Art. 10 da Lei nº 605/49: Na verificação das exigências técnicas a que se referem os artigos anteriores, ter-se-ão em vista as de ordem econômica, permanentes ou ocasionais, bem como as peculiaridades locais.
Parágrafo único: O Poder Executivo, em decreto especial ou no regulamento que expedir para fiel execução desta lei, definirá as mesmas exigências e especificará, tanto quanto possível, as empresas a elas sujeitas, ficando desde já incluídas entre elas as de serviços públicos e de transportes.

Art. 7º do Decreto nº 27.048/49: É concedida, em caráter permanente e de acôrdo com o disposto no §1º do art. 6º, permissão para o trabalho nos dias de repouso a que se refere o art. 1º, nas atividades constantes da relação anexa ao presente regulamento.
§1º: Os pedidos de permissão para quaisquer outras atividades, que se enquadrem no §1º do art. 6º, serão apresentados às autoridades regionais referidas no art. 16, que os encaminharão ao Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, devidamente informados.
§2º: A permissão dar-se-á por decreto ao Poder Executivo.

Em caráter transitório, é possível a autorização para o trabalho aos domingos e feriados, caso a atividade econômica do empregador não esteja elencada no anexo da Portaria nº 604/2019 (art. 68, §único da CLT), bem como na hipótese de realização ou conclusão de serviços inadiáveis ou cuja inexecução possa acarretar prejuízo manifesto, conforme o art. 8º, “b” do Decreto nº 27.048/49.

Nos dois casos acima, a permissão deverá discriminar o período correspondente, não podendo exceder 60 dias[5][5] A despeito da previsão na CLT e no Decreto nº 27.048/49, a Portaria nº 945/2015 do antigo MTE estabelece o prazo de duração de até 02 anos da autorização transitória.. O procedimento a ser observado e os documentos exigidos para tal autorização transitória estão contidos na Portaria nº 945/2015 do antigo MTE.

Art. 68 da CLT: O trabalho em domingo, seja total ou parcial, na forma do art. 67, será sempre subordinado à permissão prévia da autoridade competente em matéria de trabalho.
Parágrafo único: A permissão será concedida a título permanente nas atividades que, por sua natureza ou pela conveniência pública, devem ser exercidas aos domingos, cabendo ao Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, expedir instruções em que sejam especificadas tais atividades. Nos demais casos, ela será dada sob forma transitória, com discriminação do período autorizado, o qual, de cada vez, não excederá de 60 (sessenta) dias.

Art. 8º do Decreto nº 27.048/49: Fora dos casos previstos no artigo anterior admitir-se-á excepcionalmente, o trabalho em dia de repouso:
a) quando ocorrer motivo de força maior, cumprindo à empresa justificar a ocorrência perante a autoridade regional a que se refere o art. 15, no prazo de 10 dias;
b) quando, para atender à realização ou conclusão de serviços inadiáveis ou cuja inexecução possa acarretar prejuízo manifesto, a empresa obtiver da autoridade regional referida no art. 15 autorização prévia, com discriminação do período autorizado, o qual, de cada vez, não excederá de 60 dias, cabendo neste caso a remuneração em dobro, na forma e com a ressalva constante do artigo 6º, §3º.

Por motivo de força maior, nos termos do art. 8º, “a” do Decreto nº 27.048/49, é também permitido o labor nos dias de repouso, sem autorização prévia, desde que a empresa justifique a ocorrência perante à autoridade regional competente no prazo de 10 dias.

Alguns detalhes dignos de nota

A permissão para o trabalho aos domingos e feriados, seja permanente ou em caráter transitório, não afasta, segundo Sérgio Pinto Martins (2019), a observância das normas convencionais e legais pelo empregador.

Havendo regra mais favorável no Acordo ou Convenção Coletiva em vigor, ela sempre deve ser aplicada. No tocante à legislação trabalhista, um primeiro aspecto é a elaboração de escala de revezamento (art. 6º, §2º do Decreto nº 27.048/49), de modo que o repouso semanal remunerado coincida, pelo menos 01 vez a cada 03 semanas, com o domingo.

Art. 6º do Decreto nº 27.048/49: Excetuados os casos em que a execução dos serviços for imposta pelas exigências técnicas das empresas, é vedado o trabalho nos dias de repouso a que se refere o art. 1º, garantida, entretanto, a remuneração respectiva.
(…)
§2º: Nos serviços que exijam trabalho em domingo, com exceção dos elencos teatrais e congêneres, será estabelecida escala de revezamento, previamente organizada de quadro sujeito a fiscalização.
§3º: Nos serviços em que for permitido o trabalho nos feriados civis e religiosos, a remuneração dos empregados que trabalharem nesses dias será paga em dobro, salvo a empresa determinar outro dia de folga.

Art. 6º da Lei nº 10.101/2000: Fica autorizado o trabalho aos domingos nas atividades do comércio em geral, observada a legislação municipal, nos termos do art. 30, inciso I, da Constituição.
Parágrafo único: O repouso semanal remunerado deverá coincidir, pelo menos uma vez no período máximo de três semanas, com o domingo, respeitadas as demais normas de proteção ao trabalho e outras a serem estipuladas em negociação coletiva.

Trata-se de previsão do comércio em geral (art. 6º, §único da Lei nº 10.101/2000), mas que foi estendida às demais atividades, conforme entendimento majoritário da doutrina e jurisprudência. Se o labor é executado por mulher, o art. 386[6][6] No TST, não há consenso quanto à recepção do art. 386 da CLT pela Constituição. Enquanto a 8ª Turma se posiciona contrária, a 1ª, 3ª, 6ª e 7ª Turmas entendem que o dispositivo celetista não viola o princípio da igualdade previsto no art. 5º, I da CR/88. da CLT restringe a periodicidade para 15 dias:

Art. 386 da CLT: Havendo trabalho aos domingos, será organizada uma escala de revezamento quinzenal, que favoreça o repouso dominical.

Além disso, na escala, o repouso semanal remunerado deve ser concedido, no máximo, após o 6º dia seguido de labor, sob pena de seu pagamento em dobro (OJ nº 410 da SDI-I do TST). Igualmente, caberá a dobra se o serviço em dia de descanso não for compensado pelo empregado, a teor do que fixam o art. 9º da Lei nº 605/49 e art. 6º, §3º do Decreto nº 27.048/49.

Art. 9º da Lei nº 605/49: Nas atividades em que não for possível, em virtude das exigências técnicas das empresas, a suspensão do trabalho, nos dias feriados civis e religiosos, a remuneração será paga em dobro, salvo se o empregador determinar outro dia de folga.

A respeito do pagamento dobrado, esclarece Maurício Godinho (2018, p. 1.147) ser devido dois dias de salário pelo trabalho executado, sem dedução do valor do repouso semanal que o empregado já teria direito em razão do cumprimento integral da jornada na semana. No mesmo sentido, dispõe a Súmula nº 146 do TST.

SÚMULA Nº 146 DO TST: TRABALHO EM DOMINGOS E FERIADOS, NÃO COMPENSADO (incorporada a Orientação Jurisprudencial nº 93 da SBDI-1) – Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. O trabalho prestado em domingos e feriados, não compensado, deve ser pago em dobro, sem prejuízo da remuneração relativa ao repouso semanal.

Do exposto, percebe-se a complexidade do tema embora a Portaria nº 604/2019 da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho aparente uma realidade diversa. Assim, não foram todas as atividades econômicas contempladas pela autorização permanente de funcionamento, muito menos a possibilidade de a empresa demandar labor todos os domingos no mês.

A situação particular do comércio em geral

Como visto, o comércio em geral foi uma das atividades que passaram a contar com autorização permanente para o trabalho aos domingos e feriados. Contudo, a alteração promovida pela Portaria nº 604/2019 não se sobrepõe às especificidades da Lei nº 10.101/2000. O art. 1º do Decreto nº 83.842/79 deixa claro isso:

Art. 1º do Decreto nº 83.842/79: É delegada competência ao Ministro do Trabalho para, de conformidade com o artigo 5º, parágrafo único, da Lei nº 605, de 5 de janeiro de 1949, combinado com o artigo 7º, §2º, do Regulamento aprovado pelo Decreto nº 27.048, de 12 de agosto de 1949, observadas as exigências legais aplicáveis, conceder autorização para o funcionamento de empresas aos domingos e feriados civis e religiosos.

Veja que a competência do Ministro do Trabalho (agora Secretário Especial de Previdência e Trabalho) deve observar as exigências legais aplicáveis, ao conceder autorização para o labor nos dias de repouso. E nem poderia ser diferente, pois um ato administrativo não possui força o bastante para contrariar texto expresso de lei.

Logo, para o comércio em geral, os efeitos da citada Portaria são supérfluos. Em primeiro lugar, porque o art. 6º da Lei nº 10.101/2000 já havia permitido, em caráter permanente, o trabalho aos domingos e feriados, sem prejuízo do cumprimento da legislação municipal[7][7] De acordo com a Súmula nº 645 do STF, o município é competente apenas para tratar do horário de funcionamento do comércio, bem como impedir a abertura dos estabelecimentos..

Segundo, haja vista o disposto no art. 6º-A da Lei nº 10.101/2000, que libera o serviço em feriados desde que autorizado em Convenção Coletiva[8][8] Destaca Sérgio Pinto Martins (2019, p. 885) o acerto do legislador ao mencionar somente a Convenção Coletiva de Trabalho: “A matéria não pode ser objeto de acordo coletivo. A autorização por acordo coletivo poderia ser para cada empresa, podendo ocorrer de empresas de um mesmo segmento trabalharem ou não, criando diferenciação dentro da mesma categoria e concorrência desleal entre comerciantes. Melhor que seja por convenção coletiva, pois trataria da matéria para a categoria de forma homogênea”. e observada a legislação municipal (art. 30, I da CR/88). Igual previsão possui o item IV do Precedente Administrativo nº 45 do antigo MTE:

PRECEDENTE ADMINISTRATIVO Nº 45 DO MTE: (Redação dada pelo Ato Declaratório nº 12, de 10 de agosto de 2011) DOMINGOS E FERIADOS. COMÉRCIO VAREJISTA EM GERAL
I- O comércio em geral pode manter empregados trabalhando aos domingos, independentemente de convenção ou acordo coletivo e de autorização municipal.
II- Revogado pelo Ato Declaratório nº 7, de 12 de junho de 2003.
III- Por sua vez, a abertura do comércio aos domingos é de competência municipal e a verificação do cumprimento das normas do município incumbe à fiscalização de posturas local.
IV- O comércio em geral pode manter empregados trabalhando em feriados, desde que autorizado em convenção coletiva de trabalho.
V- Os shopping centers, mercados, supermercados, hipermercados e congêneres estão compreendidos na categoria “comércio em geral” referida pela Lei nº 10.101/2000, com redação dada pela Lei nº 11.603/2007.
REFERÊNCIA NORMATIVA: Lei 11.603 de 05 de dezembro de 2007, que altera e acrescenta dispositivos ao artigo 6º da Lei 10.101 de 19 de dezembro de 2000.

Portanto, mais uma vez, orienta-se cuidado na leitura e aplicação da Portaria nº 604/2019, a fim de evitar indesejado passivo trabalhista.

Obras consultadas

  • DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 17. ed. obra revista, atualizada e ampliada, conforme Lei n. 13.467/17 e MPr. n. 808/17. São Paulo: LTr, 2018, p. 1.137-1.151.
  • MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 35. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 869-887.
  • SAAD, Eduardo Gabriel. CLT Comentada. 46. ed. atualizada, revista e ampliada por José Eduardo Duarte Saad e Ana Maria Saad Castello Branco. São Paulo: LTr, 2013, p. 184-191.
  • VIANNA, Cláudia Salles Vilela. Manual Prático das Relações Trabalhistas. 12. ed. São Paulo: LTr, 2014, p. 326-338.