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Cuidados com a marcação manual do ponto

Para a melhor compreensão do tema, inicialmente, é preciso delimitar o significado das expressões: duração do trabalho, jornada de trabalho e horário de trabalho.

Segundo Maurício Godinho Delgado (2018, p. 1.025), a duração do trabalho é a noção mais ampla, compreendendo o lapso de tempo em que o empregado está trabalhando ou à disposição do seu empregador. Tal expressão pode abranger diferentes parâmetros de medida (dia, mês e ano):

Art. 4º da CLT: Considera-se como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada.

A jornada de trabalho, continua o autor (p. 1.026), possui um sentido mais restrito, pois abarca o tempo diário que o empregado se coloca em disponibilidade devido ao contrato de trabalho. Nesse caso, a jornada englobaria não só o período que o obreiro está aguardando ou executando o serviço, mas também os intervalos remunerados por lei.

Já o horário de trabalho seria o “lapso temporal entre o início e o fim de certa jornada laborativa” (2018, p. 1.026-1.027). Veja, pois, que esse intervalo compreende tanto o tempo de disponibilidade do empregado em face do empregador como o intervalo intrajornada para descanso e alimentação – não computável na jornada de trabalho (art. 71 da CLT).

O controle da jornada de trabalho

No Brasil, o controle da jornada de trabalho é a regra. Excepcionalmente, nos termos do art. 62 da CLT, ficam dispensados da marcação de ponto os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário; os gerentes e demais ocupantes de cargo de confiança; e os empregados em regime de teletrabalho[1][1] O teletrabalho está regulado nos arts. 75-A a 75-E da CLT. Trata-se da “prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não constituam como trabalho externo”..

Conforme o art. 74 da CLT, para os estabelecimentos com mais de 10 empregados, é obrigatória a anotação da hora de entrada e de saída, em registro manual, mecânico ou eletrônico, devendo haver a pré-assinalação do período de repouso. Se o trabalho é executado fora do estabelecimento, a jornada precisa constar em ficha ou papeleta em poder do empregado:

Art. 74 da CLT: O horário do trabalho constará de quadro, organizado conforme modelo expedido pelo Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, e afixado em lugar bem visível. Esse quadro será discriminativo no caso de não ser o horário único para todos os empregados de uma mesma seção ou turma.
§1º: O horário de trabalho será anotado em registro de empregados com a indicação de acordos ou contratos coletivos porventura celebrados.
§2º: Para os estabelecimentos de mais de dez trabalhadores será obrigatória a anotação da hora de entrada e de saída, em registro manual, mecânico ou eletrônico, conforme instruções a serem expedidas pelo Ministério do Trabalho, devendo haver pré-assinalação do período de repouso. (Redação dada pela Lei nº 7.855, de 24.10.1989)
§3º: Se o trabalho for executado fora do estabelecimento, o horário dos empregados constará, explicitamente, de ficha ou papeleta em seu poder, sem prejuízo do que dispõe o §1º deste artigo.

Logo, conclui-se que o registro da jornada de trabalho pode ser efetuado através da marcação manual, mecânica ou eletrônica (cf. Portaria nº 1.510/09 do MTE[2][2] A Portaria nº 1.510/09 disciplina o registro eletrônico de ponto e a utilização do Sistema de Registro Eletrônico de Ponto (SREP).), observadas as instruções do Ministério do Trabalho e Emprego.

Nada impede, porém, que o empregador, através de negociação coletiva com o sindicato da categoria, estabeleça sistemas alternativos de controle de jornada. Um exemplo é a utilização do ponto por exceção, no qual são registrados apenas os episódios excepcionais referentes à jornada (horas extras, faltas, suspensões, etc).

Com a Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/17), a tendência é o aparecimento de novas modalidades de registro, haja vista a redação do art. 611-A, X da CLT, o que inclusive é reforçado pelo Precedente Administrativo nº 23 do MTE:

Art. 611-A da CLT: A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre: (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
(…)
X- modalidade de registro de jornada de trabalho;

PRECEDENTE ADMINISTRATIVO N° 23 DO MTE: JORNADA. CONTROLE ALTERNATIVO. Os sistemas alternativos de controle de jornada só podem ser utilizados quando autorizados por convenção ou acordo coletivo. REFERÊNCIA NORMATIVA: art. 7°, XXVI da Constituição Federal, art. 74, § 2° da CLT e Portaria n° 1.120, de 8 de novembro de 1995.

Independente do tipo de registro escolhido, o essencial é garantir a fidedignidade das marcações através do controle e fiscalização pelo empregador. Nesse sentido, para fins de prova, o ponto será válido quando permitir a aferição real da jornada de trabalho do empregado, incluídas as horas extras eventualmente prestadas.

Dada a obrigação contida no art. 74, §2º da CLT, a não apresentação injustificada do controle de ponto, pela empresa, gera a presunção relativa de veracidade da jornada alegada na petição inicial (Súmula nº 338, I do TST), sem prejuízo da aplicação de multa na hipótese de fiscalização pelo MTE[3][3] Segundo a tabela de multas administrativas do MTE, a infração aos arts. 57 a 74 da CLT implica em multa no valor de R$ 40,25 a R$ 4.025,33, dobrado na reincidência, oposição ou desacato..

SÚMULA Nº 338 DO TST: JORNADA DE TRABALHO. REGISTRO. ÔNUS DA PROVA (incorporadas as Orientações Jurisprudenciais nºs 234 e 306 da SBDI-1) – Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005
I: É ônus do empregador que conta com mais de 10 (dez) empregados o registro da jornada de trabalho na forma do art. 74, §2º, da CLT. A não apresentação injustificada dos controles de freqüência gera presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho, a qual pode ser elidida por prova em contrário. (ex-Súmula nº 338 – alterada pela Res. 121/2003, DJ 21.11.2003)
II: A presunção de veracidade da jornada de trabalho, ainda que prevista em instrumento normativo, pode ser elidida por prova em contrário (ex-OJ nº 234 da SBDI-1 – inserida em 20.06.2001).

Cuidados com a marcação manual do ponto

Optando o empregador pelo uso do registro manual de ponto, orienta-se a adoção de algumas condutas a fim de minimizar o risco de passivo trabalhista e a invalidação do controle de jornada:

1- Instrução do empregado

Como se sabe, a condução/direção do negócio é uma das prerrogativas do empregador (art. 2º da CLT). Assim, a ordem jurídica faculta-lhe, por exemplo, a fixação do horário de trabalho, do modo como o serviço deve ser prestado e das regras internas para o bom funcionamento da empresa.

Dentre tais atribuições, é indispensável a instrução do empregado quanto ao correto preenchimento da folha de ponto, o que pode ser feito no momento de assinatura dos documentos admissionais.

Através de um simples Termo de Compromisso e breves orientações do setor de RH (ou gestor responsável), o trabalhador fica ciente dos campos a serem preenchidos, das condutas reprováveis e suas respectivas consequências.

Além de reforçar a integridade do registro da jornada e evitar problemas futuros, esse cuidado permite que o empregador aplique sanção disciplinar sempre que o obreiro descumprir, de modo injustificado, as instruções transmitidas previamente.

2- Individualização do registro

Para cada empregado deve existir uma folha de ponto, contendo as seguintes informações:

  • identificação do empregador / empregado;
  • local de prestação de serviços;
  • função desempenhada;
  • campo para a marcação da jornada em horas e minutos;
  • dia/mês/ano do registro;
  • campo para a inserção de justificativa e assinatura do empregado.

3- Marcação variável de horários

Essa conduta está associada com a prévia instrução do empregado sobre o preenchimento da folha de ponto. O objetivo é evitar a ocorrência de marcações “britânicas” pelo trabalhador.

A folha de ponto britânica é aquela cujos registros de jornada são uniformes, ou seja, sem alteração do horário de entrada e de saída do trabalho. O grande problema é que tal marcação não reflete a realidade da prestação de serviços, sendo imprestável como prova em eventual reclamatória.

É o que dispõe a Súmula nº 338, III do TST. Nessa hipótese, há a inversão do ônus de prova relativo às horas extras, que passa a ser do empregador:

SÚMULA Nº 338 DO TST: JORNADA DE TRABALHO. REGISTRO. ÔNUS DA PROVA (incorporadas as Orientações Jurisprudenciais nºs 234 e 306 da SBDI-1) – Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005
(…)
III: Os cartões de ponto que demonstram horários de entrada e saída uniformes são inválidos como meio de prova, invertendo-se o ônus da prova, relativo às horas extras, que passa a ser do empregador, prevalecendo a jornada da inicial se dele não se desincumbir (ex-OJ nº 306 da SBDI-1- DJ 11.08.2003)

4- Pré-assinalação do intervalo intrajornada

De acordo com o art. 71 da CLT, é obrigatória a concessão de intervalo[4][4] Nas jornadas superiores a 06 horas de trabalho, é obrigatório intervalo de 01 hora até 02 horas. Nas jornadas de até 06 horas, é obrigatório intervalo de 15 minutos, após 04 horas de trabalho., durante a jornada de trabalho, para o repouso e alimentação do empregado. Em regra, ele não é remunerado, pois não configura tempo à disposição do empregador.

A comprovação do gozo do intervalo intrajornada é feita através do registro de ponto, podendo ser marcado pelo empregado ou pré-assinalado segundo prevê o art. 74, §2º da CLT:

Art. 74 da CLT: (…)
§2º: Para os estabelecimentos de mais de dez trabalhadores será obrigatória a anotação da hora de entrada e de saída, em registro manual, mecânico ou eletrônico, conforme instruções a serem expedidas pelo Ministério do Trabalho, devendo haver pré-assinalação do período de repouso (Redação dada pela Lei nº 7.855, de 24.10.1989)

Nesse sentido, inexistindo a marcação do intervalo, pressupõe-se que o trabalhador não usufruiu da pausa que tem direito, transferindo para o empregador o ônus de comprovar, em eventual reclamatória, o cumprimento do art. 71 da CLT.

Veja que, no exemplo abaixo, o empregado laborou das 07h:58min às 17h:32min, sem a indicação do intervalo intrajornada. Caso o empregador não consiga comprovar a fruição do descanso, ele será condenado a pagar 01h:34min como hora extra, considerando que a jornada pactuada é de 08h diárias.

Trata-se de encargo que pode ser evitado com o correto preenchimento da folha de ponto:

Registro de ponto sem a indicação do intervalo intrajornada

Registro de ponto com a pré-assinalação do intervalo intrajornada

5- Evitar rasura e anotações alheias ao controle de jornada

A folha de ponto deve refletir a realidade da prestação do serviço.

Logo, rasuras e anotações alheias a ela são desaconselhadas, porque favorecem questionamentos sobre a veracidade das informações registradas. O principal risco é a invalidação do controle de jornada pelo magistrado e a sua desconsideração na hipótese de eventual fiscalização pelo MTE, com a consequente aplicação de multa.

6- Existência de campo para a inserção de justificativas

Essa conduta está associada à anterior. No registro manual de ponto, não são raros os erros e as inconsistências (falta ao serviço, esquecimento da anotação, etc) na marcação da jornada, a despeito do prévio treinamento do empregado.

Portanto, havendo qualquer dessas situações, a orientação é utilizar o campo de justificativa para sanar tais ocorrências, evitando sempre rasurar o documento.

7- Assinatura do empregado

Não existe na legislação trabalhista nenhuma norma que condiciona a validade da folha de ponto à assinatura do empregado. No mesmo sentido, posiciona-se a jurisprudência majoritária, incluído o Tribunal Superior do Trabalho.

Entretanto, utilizando o empregador o registro manual de jornada e sendo viável a assinatura dos empregados, recomenda-se a sua adoção pelo menos ao final de cada mês.

Como bem aponta Cláudia Salles Vianna (2014, p. 283-284), tal expediente não só contribui para a validação do documento, mas também soluciona de forma preventiva qualquer discordância que o empregado possa ter em relação aos horários ali consignados.

Para ciência, alguns julgados sobre o tema:

EMENTA: CONTROLES DE PONTO. AUSÊNCIA DE ASSINATURA DO EMPREGADO. FATO IRRELEVANTE. VALIDADE DAS JORNADAS REGISTRADAS. A falta de assinatura do empregado nos controles de ponto apresentados, por si só, não é suficiente para retirar o valor probante desses documentos, transferindo para o empregador o ônus de provar a jornada de trabalho. O artigo 74, §2º, da CLT exige, em estabelecimentos com mais de dez trabalhadores, a anotação da hora de entrada e de saída em registro manual, mecânico ou eletrônico. Cumpre ressaltar que referido dispositivo não faz nenhuma previsão de que o cartão de ponto, para ter validade, tenha de ser assinado pelo empregado (TRT da 3ª Região; Processo: 0001578-47.2014.5.03. 0018 RO; Data de Publicação: 23.05.2016; Órgão Julgador: 5ª Turma; Relator: Oswaldo Tadeu B. Guedes; Revisor: Manoel Barbosa da Silva).

EMENTA: CARTÃO DE PONTO. VALIDADE. FALTA DE ASSINATURA DO EMPREGADO. O §2° do art. 74 da CLT não prevê assinatura do obreiro no espelho do registro de ponto eletrônico como condição de sua validade (TRT da 3ª Região; Processo: 0000607-13.2014.5.03.0099 RO; Data de Publicação: 18.05.2015; Órgão Julgador: 3ª Turma; Relator: Camilla G. Pereira Zeidler; Revisor: Luis Felipe Lopes Boson).

EMENTA: CARTÕES DE PONTO ELETRÔNICO. AUSÊNCIA DE ASSINATURA DO EMPREGADO. VALIDADE. A prova da jornada de trabalho é realizada, primordialmente, pelos controles de frequência e de ponto, conforme dispõe o §2º do artigo 74 da CLT. A mera ausência da assinatura do empregado nem sempre acarreta a invalidade dos registros de horário, máxime quando se trate de pontos eletrônicos ou informatizados, onde normalmente não se apõe a assinatura manual, se o ato de assinar é o próprio acionamento do respectivo cartão magnético. A sua credibilidade somente poderá ser afastada por robusta prova em sentido contrário (TRT da 3ª Região; Processo: 0001694-38.2014.5.03.0023 RO; Data de Publicação: 24.06.2015; Órgão Julgador: 9ª Turma; Relator: João Bosco Pinto Lara; Revisor: Mônica Sette Lopes).

EMENTA: CARTÃO DE PONTO. ASSINATURA. A assinatura não é condição para a validade do ato jurídico. Se a lei não distingue, não cabe ao intérprete fazê-lo. Assim, são válidos os cartões mesmo quando não assinados. Não foi violada qualquer forma prevista em lei. Logo, mesmo não assinado pelo empregado, será o cartão de ponto considerado válido. Caberá, no entanto, a ele provar que o cartão de ponto está assinalado incorretamente, mostrando o seu real horário de trabalho, mesmo estando assinado ou não tal documento (TRT da 2ª Região; Processo: 1000179-84.2014.5.02.0311 RO; Data de Publicação: 08.02.2017; Órgão Julgador: Gabinete da Vice-Presidência Judicial; Relator: Rui Cesar Publio Borges Corrêa).

EMENTA: CARTÕES DE PONTO SEM ASSINATURA. VALIDADE. Os registros de ponto sem assinatura do empregado não podem ser considerados inválidos, ante a inexistência de exigência legal. Inteligência da Súmula 50 do TRT/SP (TRT da 2ª Região; Processo: 1001716-30.2015.5.02.0716 RO; Data de Publicação: 27.06.2017; Órgão Julgador: 3ª Turma; Relator: Rosana de Almeida Buono).

EMENTA: CARTÕES DE PONTO APÓCRIFOS. VALIDADE. Em relação aos controles de jornada, não obstante entendimento pessoal desta Relatora quanto à “invalidade dos cartões de ponto apócrifos”, curvo-me a jurisprudência majoritária do C. TST que aponta que o art. 74, §2º da CLT não exige que os cartões de ponto venham assinados para a validade do ato jurídico. Reformo (TRT da 2ª Região; Processo: 1001716-30.2015.5.02.0716 RO; Data de Publicação: 21.06.2016; Órgão Julgador: 4ª Turma; Relator: Ivani Contini Bramante).

Obras consultadas

  • BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 5. ed. 2ª tiragem. revista e ampliada. São Paulo: LTr, 2009, p. 692-693.
  • DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 17. ed. obra revista, atualizada e ampliada, conforme a Lei nº 13.467/17 e MPr. nº 808/17. São Paulo: LTr, 2018, p. 1.059-1.061.
  • NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 774-777.
  • PINTO, Raymundo Antônio Carneiro. Súmulas do TST Comentadas. 13. ed. São Paulo: LTr, 2012, p. 295-296.
  • VIANNA, Cláudia Salles Vilela. Manual Prático das Relações Trabalhistas. 12. ed. São Paulo: LTr, 2014, p. 281-287.