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Empregados intermitentes e cálculo da cota de aprendizes e de portadores de deficiência

Imagine a situação de uma empresa que possui empregados intermitentes (art. 443, §3º e art. 452-A da CLT).

Como se sabe, a prestação de serviços desses empregados não é contínua. Ou seja, há a alternância de períodos de atividade e de inatividade. Nada impede, porém, que durante a suspensão do contrato em uma empresa (inatividade), o empregado labore em favor de outra também na qualidade de intermitente.

Entretanto, questiona-se: considerando que os trabalhadores intermitentes podem se vincular a diversos empregadores, eles devem ser incluídos no cálculo das cotas destinadas a aprendizes e portadores de deficiência?

CAGED: Noções Gerais

O Cadastro Nacional de Empregados e Desempregados (CAGED) foi criado pela Lei nº 4.923/65 e contém o registro permanente de admissões e dispensas dos trabalhadores submetidos ao regime da CLT.

Conforme o art. 1º, §1º da referida lei, é obrigação[1][1] Em 12/12/2014, foi publicado o Decreto nº 8.373 que instituiu o Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas – eSocial. A partir de julho/2018, tal sistema passou a unificar as informações sobre obrigações fiscais, previdenciárias e trabalhistas prestadas por todas as empresas, substituindo o preenchimento e a entrega de declarações separadas (ex. GFIP, CAGED, RAIS, LRE – Livro de Registro de Empregados, CAT, CD, CTPS, PPP, DIRF – Declaração do Imposto de Renda Retido na Fonte, DCTF – Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais, QHT – Quadro de Horário de Trabalho, MANAD – Manual Normativo de Arquivos Digitais, Folha de Pagamento, GRF e GPS). O eSocial Empresas visa, portanto, reduzir a burocracia e facilitar o trabalho dos empregadores na transmissão de dados. das empresas alimentar mensalmente o CAGED, comunicando a relação nominal dos empregados admitidos e dispensados por estabelecimento, além da indicação das suas respectivas carteiras de trabalho, sob pena de multa[2][2] Segundo a tabela de multas do MTE: Entrega de CAGED com atraso de até 30 dias = R$ 4,47 por empregado; Entrega de CAGED com atraso de 31 a até 60 dias = R$ 6,70 por empregado; Falta de CAGED ou entrega com atraso acima de 60 dias = R$ 13,41 por empregado.:

Art. 1º da Lei nº 4.923/65: Fica instituído, em caráter permanente, no Ministério do Trabalho e Previdência Social, o registro das admissões e dispensas de empregados nas empresas abrangidas pelo sistema da Consolidação das Leis do Trabalho.
§1º: As empresas que dispensarem ou admitirem empregados ficam obrigadas a fazer a respectiva comunicação às Delegacias Regionais do Trabalho, mensalmente, até o dia sete do mês subseqüente ou como estabelecido em regulamento, em relação nominal por estabelecimento, da qual constará também a indicação da Carteira de Trabalho e Previdência Social ou, para os que ainda não a possuírem, nos termos da lei, os dados indispensáveis à sua identificação pessoal.

Art. 10 da Lei nº 4.923/65: A falta da comunicação a que se refere o parágrafo único do art. 1º desta Lei, no prazo ali estipulado, importará na aplicação automática de multa no valor de 1/3 (um terço) do salário-mínimo regional, por empregado, de competência da Delegacia Regional do Trabalho.
Parágrafo único: A multa prevista no artigo ficará reduzida para 1/9 (um nono) e 1/6 (um sexto) do salário-mínimo regional, por empregado, quando, antes de qualquer procedimento fiscal por parte do Ministério do Trabalho e Previdência Social, a comunicação for feita, respectivamente, dentro de 30 (trinta) ou 60 (sessenta) dias, após o término do prazo fixado.

Muito mais do que um simples cadastro, o CAGED é usado para inúmeros programas sociais e seus dados subsidiam estudos, pesquisas, projetos ligados ao mercado de trabalho, bem como a tomada de decisões para as ações governamentais. Dentre tais ações, ressaltam-se as de cunho fiscalizatório planejadas pelas Superintendências Regionais do Trabalho (órgão ligado ao MTE).

É justamente através do CAGED que os Auditores Fiscais verificam a potencial cota de aprendizes a serem contratados em cada município (arts. 28, §2º, 30 e 31 da IN nº 146/2018 do MTE[3][3] A IN nº 146 do MTE foi publicada em 01/08/2018 e dispõe sobre a fiscalização do cumprimento das normas relativas à aprendizagem profissional.) e examinam a exatidão das informações prestadas sobre os empregados com deficiência e reabilitados (art. 10 da IN nº 98/2012 do MTE).

Observe que no cadastro existem os campos específicos para “deficiente”, “tipo de deficiência” e “aprendiz”, cujas informações constam do recibo da Movimentação Mensal e Acerto:

Daí a relevância do questionamento inicial: se os empregados intermitentes devem ser incluídos no cálculo das cotas de aprendizes e portadores de deficiência. Não é demais reforçar que o intermitente poderá constar, ao mesmo tempo, no CAGED de vários empregadores distintos.

A cota de aprendizagem

O contrato de aprendizagem está previsto nos arts. 428 a 433 da CLT e no Decreto nº 5.598/2005. Trata-se de modalidade especial de contratação limitada a 02 anos e destinada aos maiores de 14 e menores de 24 anos, salvo os portadores de deficiência aos quais não são extensíveis tais limitações.

Ao obrigar a contratação de aprendizes, o legislador objetivou a inclusão desse público no mercado de trabalho através da sua qualificação técnico-profissional. Para tanto, foi estabelecida cota às empresas equivalente a 5% até 15% dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento cujas funções demandem formação profissional, independente delas serem proibidas a menores de 18 anos:

Art. 429 da CLT: Os estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a empregar e matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem número de aprendizes equivalente a cinco por cento, no mínimo, e quinze por cento, no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional.
(…)
§1º: As frações de unidade, no cálculo da percentagem de que trata o caput, darão lugar à admissão de um aprendiz.

Por outro lado, ficaram excluídas da base de cálculo da cota de aprendizagem (arts. 10 e 12 do Decreto nº 5.598/2005):

  • as funções que, por lei, exijam habilitação profissional de nível técnico ou superior;
  • os cargos de direção, gerência ou de confiança nos termos do art. 62, II da CLT;
  • os trabalhadores contratados na modalidade de trabalho temporário;
  • os aprendizes já contratados.

Art. 10 do Decreto nº 5.598/2005: Para a definição das funções que demandem formação profissional, deverá ser considerada a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), elaborada pelo Ministério do Trabalho e Emprego.
§1º: Ficam excluídas da definição do caput deste artigo as funções que demandem, para o seu exercício, habilitação profissional de nível técnico ou superior, ou, ainda, as funções que estejam caracterizadas como cargos de direção, de gerência ou de confiança, nos termos do inciso II e do parágrafo único do art. 62 e do §2º do art. 224 da CLT.
§2º: Deverão ser incluídas na base de cálculo todas as funções que demandem formação profissional, independentemente de serem proibidas para menores de dezoito anos.

Art. 12 do Decreto nº 5.598/2005: Ficam excluídos da base de cálculo de que trata o caput do art. 9º deste Decreto os empregados que executem os serviços prestados sob o regime de trabalho temporário, instituído pela Lei nº 6.019, de 3 de janeiro de 1973, bem como os aprendizes já contratados.
Parágrafo único: No caso de empresas que prestem serviços especializados para terceiros, independentemente do local onde sejam executados, os empregados serão incluídos na base de cálculo da prestadora, exclusivamente.

De acordo com o art. 14 do Decreto nº 5.598/2005, são dispensadas da contratação de aprendizes as microempresas, as empresas de pequeno porte[4][4] A definição de microempresa e empresa de pequeno porte é dada pela LC nº 123/2006. e as entidades sem fins lucrativos que tenham por objetivo a educação profissional.

No dia 01/08/2018, o MTE publicou a IN nº 146 que fixou novas regras para a fiscalização da aprendizagem profissional. Veja que o ato administrativo foi publicado após a Reforma Trabalhista instituída pela Lei nº 13.467/2017, devendo, portanto, ser interpretado junto dos dispositivos legais supracitados.

Assim, no cálculo da cota, serão incluídos apenas os estabelecimentos empresariais que possuam no mínimo 07 empregados em funções que demandam formação profissional. Paralelamente, o art. 2º, §7º da IN nº 146/2018 do MTE vedou a exclusão, através de negociação coletiva, de outras funções que integram a base de cálculo da cota de aprendizes:

Art. 2º da IN nº 146/2018 do MTE: (…)
§1º: Na conformação numérica de aplicação do percentual, ficam obrigados a contratar aprendizes os estabelecimentos que tenham pelo menos sete empregados contratados nas funções que demandam formação profissional, nos termos do art. 10 do Decreto nº 5.598/05, até o limite máximo de quinze por cento previsto no art. 429 da CLT.
(…)
§7º: Em consonância com o art. 611-B, XXIII e XXIV, CLT, a exclusão de funções que integram a base de cálculo da cota de aprendizes constitui objeto ilícito de convenção ou acordo coletivo de trabalho.

A cota dos portadores de deficiência e reabilitados

Segundo o art. 3º do Decreto nº 3.298/99[5][5] O Decreto nº 3.298/99 dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência., deficiente é toda a pessoa com “perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano”.

Nesse sentido, para garantir a igualdade de oportunidades e o pleno acesso aos direitos básicos, o legislador instituiu um conjunto de ações visando a inserção sócio-econômica dos portadores de deficiência.

Dentre os principais objetivos encontram-se a i) qualificação profissional e a ii) facilitação ao mercado de trabalho. Enquanto a primeira é assegurada pelo processo de habilitação e reabilitação profissional, a segunda é estimulada, em parte, pelo sistema obrigatório de cotas nos setores público e privado.

Independente de serem beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, o portador de deficiência e o incapacitado[6][6] A incapacidade é conceituada pelo art. 3º, III do Decreto nº 3.298/99 como “redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida”. têm direito à habilitação e reabilitação profissional (art. 30 do Decreto nº 3.298/99).

Explica Wladimir Novaes (2011, p. 936-937) que a habilitação corresponde à “preparação do inapto para exercer as atividades, em decorrência de incapacidade física adquirida ou deficiência hereditária”. A reabilitação, por outro lado, “pressupõe a pessoa ter tido aptidão e tê-la perdido por motivo de enfermidade ou acidente”.

De qualquer forma, ambos os processos abrangem a identificação das potencialidades laborativas do indivíduo e a capacitação para o exercício de funções compatíveis com as suas limitações físicas, mentais ou psicológicas (art. 89 da Lei nº 8.213/91 c/c art. 31 do Decreto nº 3.298/99). Uma vez concluída a habilitação ou reabilitação, o INSS emite certificado individual indicando as atividades que poderão ser executadas.

São também consideradas habilitadas, nos termos do art. 36, §§2º e 3º do Decreto nº 3.298/99, as pessoas portadoras de deficiência que concluíram curso de educação profissional ou curso superior em instituição credenciada no Ministério da Educação e as que, embora não tenham se submetido à habilitação ou reabilitação, estejam capacitadas para o exercício da função.

Verificada a aptidão para o trabalho, as empresas com 100 ou mais empregados são obrigadas a preencher seus cargos com beneficiários reabilitados ou portadores de deficiência nas seguintes cotas proporcionais:

Art. 93 da Lei nº 8.213/91: A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:
I- até 200 empregados…………………………………………………………………………………2%;
II- de 201 a 500……………………………………………………………………………………………..3%;
III- de 501 a 1.000…………………………………………………………………………………………4%;
IV- de 1.001 em diante…………………………………………………………………………………5%.
V- (VETADO)
§1º: A dispensa de pessoa com deficiência ou de beneficiário reabilitado da Previdência Social ao final de contrato por prazo determinado de mais de 90 (noventa) dias e a dispensa imotivada em contrato por prazo indeterminado somente poderão ocorrer após a contratação de outro trabalhador com deficiência ou beneficiário reabilitado da Previdência Social.
§2º: Ao Ministério do Trabalho e Emprego incumbe estabelecer a sistemática de fiscalização, bem como gerar dados e estatísticas sobre o total de empregados e as vagas preenchidas por pessoas com deficiência e por beneficiários reabilitados da Previdência Social, fornecendo-os, quando solicitados, aos sindicatos, às entidades representativas dos empregados ou aos cidadãos interessados.
§3º: Para a reserva de cargos será considerada somente a contratação direta de pessoa com deficiência, excluído o aprendiz com deficiência de que trata a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.

Cumpre sublinhar que as vagas são para a contratação direta pelas empresas e não se destinam aos aprendizes portadores de deficiência. Paralelamente, acrescenta o art. 5º, §1º da IN nº 98/2012[7][7] A IN nº 98/2012 do MTE dispõe sobre os procedimentos de fiscalização do cumprimento das normas destinadas à inclusão no trabalho das pessoas com deficiência e beneficiários da Previdência Social reabilitados. do MTE que, na apuração das cotas proporcionais, serão considerados os empregados da totalidade dos estabelecimentos empresariais:

Art. 5º da IN nº 98/2012 do MTE: (…)
§1º: Para efeito de aferição dos percentuais dispostos no caput, será considerado o número de empregados da totalidade dos estabelecimentos da empresa.
§2º: Para as empresas que apresentem variações sazonais no quantitativo de empregados, a fiscalização poderá utilizar, para a composição da base de cálculo da cota a ser cumprida, a média aritmética da totalidade de empregados existentes ao final de cada um dos doze últimos meses.
§3º: As frações de unidade no cálculo de que trata o caput darão lugar à contratação de mais um trabalhador.

Por fim, na hipótese de dispensa de portador de deficiência ou reabilitado, o empregador deverá contratar outro empregado nas mesmas condições, sob pena de pagamento de multa no valor de R$ 2.331,32 a R$ 233.130,50, conforme a gravidade da infração (art. 283 do Decreto nº 3.048/99 e art. 8º, IV da Portaria nº 15/2018 do Ministério da Fazenda).

A questão dos empregados intermitentes

Do exposto, por cautela, orienta-se incluir os empregados intermitentes na base de cálculo da cota de aprendizagem, desde que atendidos os demais requisitos legais.

Primeiro, porque a própria IN nº 146/2018 do MTE não fez qualquer ressalva a respeito. Por ter sido publicada após a Reforma Trabalhista, o Ministério do Trabalho poderia ter incluído os empregados intermitentes na exceção do art. 2º, §8º da Instrução Normativa, o que todavia não ocorreu:

Art. 2º da IN nº 146/2018 do MTE: Conforme determina o art. 429 da CLT, os estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a contratar e matricular aprendizes nos cursos de aprendizagem, no percentual mínimo de cinco e máximo de quinze por cento das funções que exijam formação profissional.
(…)
§8º: Ficam excluídos da base de cálculo da cota de aprendizes:
I- as funções que, em virtude de lei, exijam habilitação profissional de nível técnico ou superior;
II- as funções caracterizadas como cargos de direção, de gerência ou de confiança, nos termos do inciso II do art. 62 e §2º do art. 224 da CLT;
III- os trabalhadores contratados sob o regime de trabalho temporário instituído pelo art. 2º da Lei nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974;
IV- os aprendizes já contratados.

Em segundo lugar, pois os intermitentes ostentam a mesma condição de empregados que os demais trabalhadores da empresa, salvo as peculiaridades desse tipo de contratação. Assim, não justificaria o empregador excluí-los da base de cálculo, ainda que estejam em inatividade. A despeito dessa suspensão contratual (período sem prestação de serviços), o contrato de trabalho intermitente continua em vigor.

No tocante ao preenchimento da cota com portadores de deficiência ou reabilitados, recomenda-se a mesma solução, até que lei ou ato administrativo estabeleça regra diversa.

Dada a novidade da matéria, os problemas práticos envolvendo os empregados intermitentes estão começando a aparecer. Logo, as empresas devem agir com prudência a fim de evitar situações de passivo trabalhista e/ou eventuais autuações pela fiscalização do MTE.

Obras consultadas

  • MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de Direito Previdenciário. 4. ed. São Paulo: LTr, 2011, p. 936-937.