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Estudo de Caso: Vale-refeição proporcional à jornada de trabalho

Imagine a seguinte situação:

A Convenção Coletiva de uma empresa determina o pagamento de vale-refeição a todos os integrantes da categoria profissional no valor de R$ 21,00. Todavia, nem todos os empregados apresentam jornada de 08 horas diárias e intervalo mínimo de 01 hora para repouso e alimentação (art. 71 da CLT).

Assim, indaga-se: é possível o pagamento proporcional do vale-refeição aos empregados com jornada de 06 horas diárias, visto eles apresentarem apenas 15 minutos de intervalo, conforme dispõe o art. 71, §1º da CLT?

De início, cabe ressaltar que a legislação trabalhista não obriga o fornecimento de vale-refeição (ou vale-alimentação)[1][1] A maioria das normas coletivas não fazem distinção entre o vale-refeição e o vale-alimentação. É, no momento da concessão do benefício, que o trabalhador escolhe o tipo de vale que deseja. O vale-refeição visa a alimentação do empregado, durante o período de trabalho, em restaurantes e lanchonetes conveniados com a rede contratada pelo empregador. Já o vale-alimentação destina-se a compras em supermercados e padarias e, por isso, acaba beneficiando não só o empregado, mas também a sua família. pelo empregador.

Geralmente, esse direito é adquirido por força do contrato de trabalho pactuado ou através de negociação coletiva com o sindicato (previsão específica em Acordos ou Convenções Coletivas de Trabalho).

Quando o benefício é fornecido em razão do contrato (sem a participação da entidade sindical), há sempre o risco de o vale-refeição ser considerado salário. Logo, deve o empregador tomar alguns cuidados para evitar tal situação, do contrário, o respectivo valor irá repercutir na remuneração devida ao trabalhador, inclusive para fins previdenciários (art. 28, I da Lei nº 8.212/91) e de FGTS.

É o que estabelecem a Súmula nº 241 do TST e o art. 458 da CLT:

SÚMULA Nº 241 DO TST: SALÁRIO-UTILIDADE. ALIMENTAÇÃO (mantida) – Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. O vale para refeição, fornecido por força do contrato de trabalho, tem caráter salarial, integrando a remuneração do empregado, para todos os efeitos legais.

Art. 458 da CLT: Além do pagamento em dinheiro, compreende-se no salário, para todos os efeitos legais, a alimentação, habitação, vestuário ou outras prestações “in natura” que a empresa, por força do contrato ou do costume, fornecer habitualmente ao empregado. Em caso algum será permitido o pagamento com bebidas alcoólicas ou drogas nocivas.
(…)

Isso ocorre devido à habitualidade no fornecimento do vale-refeição, o que equipara o benefício a salário “in natura” nos termos do art. 458 da CLT. Ou seja, trata-se de vantagem oferecida em função do trabalho, deixando nítida a sua natureza contraprestativa.

Assim, optando o empregador pelo fornecimento de alimentação ao empregado, recomenda-se que: o valor não seja dado em dinheiro (utilizar sempre vales, tíquetes ou cartões disponíveis no mercado[2][2] O fornecimento de alimentação nessa modalidade é chamada pelo antigo MTE de “prestação de serviço de alimentação coletiva”. Nessa hipótese, o empregador contrata empresa terceira, registrada no PAT, para operar o sistema de documentos de legitimação (tíquetes, vales, cupons, cheques ou cartões eletrônicos).) e a sua concessão se opere através do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT)[3][3] O PAT é um programa governamental de adesão voluntária, que busca estimular o empregador a fornecer alimentação nutricionalmente adequada, por meio da concessão de incentivos fiscais, e tem como prioridade o atendimento aos trabalhadores de baixa renda. – Lei nº 6.321/76 e Decreto nº 05/91.

Além de a empresa obter dedução para o Imposto de Renda (art. 1º da Lei nº 6.321/76), no PAT, o valor do benefício “não tem natureza salarial, não se incorpora à remuneração para quaisquer efeitos, não constitui base de incidência de contribuição previdenciária ou do FGTS e nem se configura como rendimento tributável do trabalhador” (art. 6º do Decreto nº 05/91).

No mesmo sentido:

OJ Nº 133 DA SDI-I DO TST: AJUDA ALIMENTAÇÃO. PAT. LEI Nº 6.321/76. NÃO INTEGRAÇÃO AO SALÁRIO (inserida em 27.11.1998). A ajuda alimentação fornecida por empresa participante do programa de alimentação ao trabalhador, instituído pela Lei nº 6.321/76, não tem caráter salarial. Portanto, não integra o salário para nenhum efeito legal.

PRECEDENTE ADMINISTRATIVO Nº 34 DO MTE: FGTS. CESTA BÁSICA. FALTA DE RECOLHIMENTO DO PERCENTUAL DE 8% SOBRE PARTE DA REMUNERAÇÃO DEVIDA. O valor pago pelo empregador ao empregado a título de cesta básica ou outro fornecimento de alimentação realizado à margem do Programa de Alimentação do Trabalhador – PAT deve compor a base de cálculo do FGTS, pois se trata de salário in natura.

Por fim, é admitida a participação do empregado, observado o limite de 20%, no custo direto do benefício, entendido como custo real da empresa com a alimentação (art. 2º, §1º do Decreto nº 05/91).

Quando o vale-refeição decorre de negociação coletiva, a cláusula do Acordo ou Convenção Coletiva já estabelece a sua natureza indenizatória (não salarial), bem como todas as condições para o seu correto fornecimento pelo empregador. Desse modo, para responder o questionamento inicial, é preciso verificar o conteúdo da cláusula normativa.

A título de ilustração, seguem dois exemplos:

Como se sabe, dependendo da duração da jornada de trabalho (limite de 08 horas diárias – art. 7º, XIII da CR/88), o intervalo para repouso e alimentação do empregado sofre variação. Segundo o art. 71 da CLT:

  • Nas jornadas superiores a 06 horas diárias, é obrigatório um intervalo de 01 a 02 horas;
  • Nas jornadas de até 06 horas diárias, o intervalo será de 15 minutos, após 04 horas de labor consecutivo;
  • Por consequência lógica, os empregados com jornada inferior a 04 horas não têm direito a intervalo.

É exatamente por causa dessa variação que algumas normas coletivas preveem o pagamento proporcional do vale-refeição. Um trabalhador com 15 minutos de intervalo realizará, no máximo, um lanche no período, não sendo justificável atribuir a ele o mesmo valor concedido a um empregado que almoça e possui uma pausa superior.

Trata-se do potencial criativo da negociação coletiva através da elaboração de regras jurídicas, que irão regular o universo composto pela categoria profissional e econômica:

Contudo, no questionamento inicial, a Convenção Coletiva da empresa não fez qualquer distinção entre os empregados. A norma apenas menciona que todos os integrantes da categoria terão direito ao vale-refeição no valor de R$ 21,00.

Nesse caso, não é lícito ao empregador efetuar o pagamento proporcional do benefício com base na jornada de seus empregados, apesar de ser compreensível. Tal conduta poderá ocasionar um indesejado passivo trabalhista, além de dar margem a alegações de tratamento discriminatório por parte da empresa em face dos obreiros com jornada reduzida (inferior a 06 horas diárias).

Se realmente houvesse a intenção de diferenciar os empregados, os sindicatos envolvidos teriam fixado as condições na norma coletiva, o que não aconteceu.

Portanto, existindo o interesse da empresa em fornecer o vale-refeição proporcional, o ideal é negociar um Acordo Coletivo de Trabalho[4][4] Art. 611 da CLT: Convenção Coletiva de Trabalho é o acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho.
§1º: É facultado aos sindicatos representativos de categorias profissionais celebrar Acordos Coletivos com uma ou mais empresas da correspondente categoria econômica, que estipulem condições de trabalho, aplicáveis no âmbito da empresa ou das acordantes respectivas relações de trabalho.
(…)
sobre o tema com o sindicato da categoria. Além de dar segurança ao empregador, essa solução evita reclamatórias com pedidos de diferenças no valor do benefício e de indenização por suposto tratamento discriminatório.

Obras consultadas

  • PINTO, Raymundo Antônio Carneiro. Súmulas do TST comentadas. 13. ed. São Paulo: LTr, 2012, p. 216-217.
  • VIANNA, Cláudia Salles Vilela. Manual Prático das Relações Trabalhistas. 12. ed. São Paulo: LTr, 2014, p. 440-446.