Com a entrada em vigor da Lei nº 13.467/2017, foi introduzida na CLT uma nova modalidade de extinção do contrato de trabalho, na qual empregado e empregador acordam em por um fim ao vínculo empregatício. Tecnicamente, trata-se de uma resilição bilateral[1][1] De acordo com Georgenor de Sousa (2018, p. 247), na resilição, o contrato de trabalho é extinto pela vontade bilateral (distrato) ou unilateral das partes. Nessa última hipótese, estão a despedida sem justa causa por iniciativa do empregador e o pedido de demissão. Já na resolução contratual, o vínculo de emprego termina pela falta grave praticada por um dos envolvidos (arts. 482 e 483 da CLT). do contrato, também chamada de distrato.
Através da rescisão de comum acordo, o legislador visou coibir as fraudes para o levantamento do FGTS e o gozo indevido do seguro-desemprego pelo trabalhador[2][2] Conferir parecer da Comissão Especial sobre o PL nº 6.787/2016 – Reforma Trabalhista (p. 57):
Art. 484-A. “O art. 484-A permite que empregador e empregado, de comum acordo, possam extinguir o contrato de trabalho. A medida visa a coibir o costumeiro acordo informal, pelo qual é feita a demissão sem justa causa para que o empregado possa receber o seguro-desemprego e o saldo depositado em sua conta no FGTS, com a posterior devolução do valor correspondente à multa do Fundo de Garantia ao empregador. Havendo o consenso, o contrato é extinto e serão devidos pela metade o aviso prévio, se indenizado, e a indenização sobre o saldo do FGTS. O empregado somente poderá movimentar oitenta por cento do valor depositado na sua conta vinculada e não fará jus ao ingresso no Programa do Seguro-Desemprego”.. Nesse sentido, criou-se uma alternativa menos onerosa à empresa, permitindo, ao mesmo tempo, que o empregado possa movimentar a sua conta vinculada do Fundo de Garantia.
Entretanto, várias são as dúvidas relacionadas a essa espécie rescisória, em grande parte existentes devido à redação superficial do art. 484-A da CLT. Logo, o objetivo será esclarecer alguns pontos, com destaque especial ao aviso prévio.
Efeitos da rescisão de comum acordo
Existindo efetivo consenso entre as partes, passou a ser admitida uma solução intermediária para o término do contrato de trabalho. Nela, ao contrário da dispensa sem justa causa, serão devidos ao empregado metade do aviso prévio indenizado e da multa sobre o saldo do FGTS (20%):
Art. 484-A da CLT: O contrato de trabalho poderá ser extinto por acordo entre empregado e empregador, caso em que serão devidas as seguintes verbas trabalhistas:
I- por metade:
a) o aviso prévio, se indenizado; e
b) a indenização sobre o saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, prevista no §1º do art. 18 da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990.
II- na integralidade, as demais verbas trabalhistas.
§1º: A extinção do contrato prevista no caput deste artigo permite a movimentação da conta vinculada do trabalhador no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço na forma do inciso I-A do art. 20 da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990, limitada até 80% (oitenta por cento) do valor dos depósitos.
§2º: A extinção do contrato por acordo prevista no caput deste artigo não autoriza o ingresso no Programa de Seguro-Desemprego.
Paralelamente, o legislador assegurou a movimentação de até 80% do valor dos depósitos fundiários (art. 20, I-A da Lei nº 8.036/90), mas, em contrapartida, proibiu o ingresso do empregado ao programa do seguro-desemprego. Duas são as razões para a exclusão desse direito constitucional.
Art. 7º da CR/88: São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(…)
II- seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;
(…)
Em primeiro lugar, porque o desemprego, decorrente da rescisão de comum acordo, não é involuntário (DIAS, et. al., 2018, p. 123). O fim do vínculo empregatício deve ser uma decisão acordada entre os envolvidos, que concluem pela inviabilidade da manutenção do contrato de trabalho.
Segundo, pois, a assistência financeira temporária, garantida pelo seguro-desemprego (art. 1º da Lei nº 7.998/90), é substituída pela possibilidade de levantamento de parte do saldo do FGTS. Assim, o trabalhador não fica desamparado enquanto busca uma nova ocupação, se for o caso.
Por fim, prevê o art. 484-A, II da CLT o pagamento das demais verbas trabalhistas em sua integralidade. São elas, conforme a situação concreta: saldo de salário, férias vencidas ou proporcionais + 1/3 e 13º salário integral ou proporcional.
Sobre o tema, cumpre sublinhar também a manutenção do prazo para o pagamento das verbas rescisórias pelo empregador, incluída a entrega dos documentos de comunicação aos órgãos competentes (art. 477, §6º da CLT):
Art. 477 da CLT: Na extinção do contrato de trabalho, o empregador deverá proceder à anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social, comunicar a dispensa aos órgãos competentes e realizar o pagamento das verbas rescisórias no prazo e na forma estabelecidos neste artigo.
(…)
§6º: A entrega ao empregado de documentos que comprovem a comunicação da extinção contratual aos órgãos competentes bem como o pagamento dos valores constantes do instrumento de rescisão ou recibo de quitação deverão ser efetuados até dez dias contados a partir do término do contrato.
(…)
§8º: A inobservância do disposto no §6º deste artigo sujeitará o infrator à multa de 160 BTN, por trabalhador, bem assim ao pagamento da multa a favor do empregado, em valor equivalente ao seu salário, devidamente corrigido pelo índice de variação do BTN, salvo quando, comprovadamente, o trabalhador der causa à mora.
Uma vez descumprido o prazo de 10 dias, contados do término do contrato, a empresa fica sujeita à multa de R$ 170,26, por empregado prejudicado, a ser aplicada pela fiscalização do MTE, além do pagamento de 01 salário em benefício do trabalhador.
A questão do aviso prévio: a proporcionalidade e outros detalhes
Em 2011, entrou em vigor a Lei nº 12.506 que passou a regulamentar o aviso prévio proporcional estabelecido no art. 7º, XXI da CR/88. De acordo com a lei, deverão ser acrescidos 03 dias por ano de serviço prestado na mesma empresa, observado o máximo de 60 dias. Então, a partir de 13/10/2011, o aviso prévio possui o limite de 30 a 90 dias.
Dada a omissão do art. 484-A da CLT, questionou-se a aplicabilidade do aviso prévio proporcional nas rescisões de comum acordo. Como a jurisprudência não teve ainda a oportunidade de se manifestar, tal tarefa foi assumida pela doutrina.
Nos autores consultados, a maior parte[3][3] Nesse sentido, consultar: DELGADO, 2017, p. 190; DIAS, et. al., 2018, p. 123; MALFUSSI, 2018, p. 250; PRIMON, 2018, p. 02. não vê incompatibilidade entre os institutos. Assim, optando as partes pelo distrato, deve ser considerado o tempo de serviço na empresa para o cálculo do aviso prévio proporcional.
Um outro ponto de controvérsia diz respeito ao aviso prévio trabalhado. De fato, o dispositivo celetista só menciona o aviso prévio indenizado, que será devido pela metade. Todavia, e se a empresa preferir o labor do empregado durante o período? Para a melhor compreensão, segue o exemplo abaixo.
Imagine a seguinte situação:
Uma empresa acordou com o empregado a rescisão do seu contrato de trabalho, nos termos do art. 484-A da CLT. Considerando que o trabalhador possui 10 anos, 06 meses e 05 dias de tempo de serviço, ele terá direito a 60 dias de aviso prévio, conforme tabela constante na Norma Técnica nº 184/2012 da SRT do MTE.
Optando a empresa por indenizar o aviso prévio, o empregado terá direito ao pagamento de 30 dias (60 dias/2 = 30), haja vista a previsão do art. 484-A, I, “a” da CLT. Nesse caso, o pagamento das verbas rescisórias deverá ser efetuado em 10 dias contados da data do acordo de rescisão contratual. Lembrar apenas que os 30 dias de aviso prévio integrarão o contrato de trabalho do empregado para todos os fins.
No aviso prévio trabalhado, algumas observações devem ser feitas:
- O aviso prévio proporcional é aplicado exclusivamente em favor do empregado. Logo, o empregador não poderá exigir mais que 30 dias de trabalho do obreiro (Norma Técnica nº 184/2012 da SRT do MTE);
- Nas rescisões de comum acordo, não será aplicada a regra do art. 488 da CLT (PRIMON, 2018, p. 01 e 02), qual seja a redução da jornada em 02 horas diárias ou 07 dias corridos, pois não se trata de rescisão promovida exclusivamente pelo empregador (dispensa sem justa causa):
Art. 488 da CLT: O horário normal de trabalho do empregado, durante o prazo do aviso, e se a rescisão tiver sido promovida pelo empregador, será reduzido de 2 (duas) horas diárias, sem prejuízo do salário integral.
Parágrafo único: É facultado ao empregado trabalhar sem a redução das 2 (duas) horas diárias previstas neste artigo, caso em que poderá faltar ao serviço, sem prejuízo do salário integral, por 1 (um) dia, na hipótese do inciso l, e por 7 (sete) dias corridos, na hipótese do inciso lI do art. 487 desta Consolidação.
Nesse sentido, o empregado laborará 30 dias (recebendo o salário correspondente: saldo de salário) e terá direito a 15 dias de indenização do aviso prévio (ou seja: 60 dias – 30 dias trabalhados = 30 dias/2 = 15 dias). O obreiro, portanto, fará jus ao total de 45 dias de aviso prévio proporcional. Trata-se de interpretação extraída de Ana Gabriela Primon (2018, p. 02-03) e que é bastante razoável.
Finalmente, destaca-se que o pagamento das verbas rescisórias será efetuado em 10 dias contados do último dia trabalhado (data do término do contrato). Observe, porém, que a empresa deverá considerar a projeção dos 15 dias de aviso prévio indenizado.
Cuidado com a rescisão de comum acordo
Verificada a compatibilidade do aviso prévio trabalhado com a rescisão de comum acordo, resta sublinhar a necessidade de formalização, por escrito, dessa modalidade rescisória, embora o art. 484-A da CLT não tenha previsto tal exigência.
Como bem aponta Guilherme Feliciano (DIAS, et. al., 2018, p. 123), no direito do trabalho, a prova do distrato é do empregador, pois milita em favor do empregado o princípio da continuidade do vínculo empregatício, de acordo com a interpretação analógica da Súmula nº 212 do TST:
SÚMULA Nº 212 DO TST: DESPEDIMENTO. ÔNUS DA PROVA (mantida) – Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. O ônus de provar o término do contrato de trabalho, quando negados a prestação de serviço e o despedimento, é do empregador, pois o princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao empregado.
Logo, para evitar discussões judiciais posteriores, é recomendável a elaboração de termo, no qual conste a livre intenção das partes de extinguir por acordo o contrato, incluída a discriminação de todas as verbas devidas e o alerta de que o trabalhador não terá direito ao gozo do seguro-desemprego (art. 484-A, §2º da CLT).
Além da assinatura das partes, é indispensável a identificação e a assinatura de 02 testemunhas no documento.
Sobre o cuidado com a rescisão de comum acordo, Domingos Sávio (2018, p. 75) e Georgenor de Sousa (2018, p. 261) são favoráveis ainda a sua homologação pelo juiz, nos termos do art. 855-B da CLT, a fim de não haver quaisquer dúvidas quanto à manifestação de vontade do empregado.
Art. 855-B da CLT: O processo de homologação de acordo extrajudicial terá início por petição conjunta, sendo obrigatória a representação das partes por advogado.
§1º: As partes não poderão ser representadas por advogado comum.
§2º: Faculta-se ao trabalhador ser assistido pelo advogado do sindicato de sua categoria.Art. 855-C da CLT: O disposto neste Capítulo não prejudica o prazo estabelecido no §6º do art. 477 desta Consolidação e não afasta a aplicação da multa prevista no §8º do art. 477 desta Consolidação.
É interessante observar que a homologação do acordo extrajudicial não dispensa o cumprimento, pelo empregador, do prazo para a entrega dos documentos e de pagamento das verbas rescisórias ao empregado, sob pena de multa.
Obras consultadas
- CAVALCANTE, Rodrigo Arantes; VAL, Renata do. Reforma Trabalhista comentada artigo por artigo – de acordo com princípios, Constituição Federal e tratados internacionais. 2. ed. São Paulo: LTr, 2018, p. 92-94.
- DELGADO, Maurício Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A Reforma Trabalhista no Brasil: com os comentários à Lei n. 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017, p. 189-191.
- DIAS, Carlos Eduardo Oliveira. et. al. Comentários à Lei da Reforma Trabalhista: dogmática, visão crítica e interpretação constitucional. São Paulo: LTr, 2018, p. 247-248 e 261-262.
- FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. Curso de Direito do Trabalho. 4. ed. atualizado pela Lei n. 13.467/2017 e pela Medida Provisória n. 808/2017. São Paulo: LTr, 2018, p. 77-78.
- MALFUSSI, Julieta Elizabeth Correia de. Art. 484-A da CLT. In: LISBÔA, Daniel. et. al. [coord.]. Reforma Trabalhista comentada por juízes do trabalho: artigo por artigo. atualizada até a Lei n. 13.660/2018 e o fim da vigência da MP n. 808/2017. São Paulo: LTr, 2018, p. 249-252.
- PRIMON, Ana Gabriela. O aviso prévio na rescisão por mútuo acordo após a reforma trabalhista. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-out-15/ana-primon-aviso-previo-rescisao-mutuo-acordo-reforma. Acesso em: 20.11.2018.
- VASCONCELOS, Antônio Gomes de. Modificações relativas à extinção do contrato de trabalho instituídas pela Lei n. 13.467/2017: dispensa individual, coletiva, distrato e direitos rescisórios. In: HORTA, Denise Alves. et. al. [coord.]. Direito do Trabalho e Processo do Trabalho: reforma trabalhista principais alterações. atualizado de acordo com a MP n. 808 de 14 de novembro de 2017. São Paulo: LTr, 2018, p. 244-260.
- ZAINAGHI, Domingos Sávio; ZAINAGHI, Luis Guilherme Krenek. Anotações à Reforma Trabalhista (Lei n. 13.467/2017): após o fim da MP n. 808/2017. São Paulo: LTr, 2018, p. 77-78.