Em 09/03/2019, transitou em julgado[1][1] O trânsito em julgado ocorre quando a decisão judicial (seja ela singular ou coletiva) não comporta mais mudança pela interposição de recurso por qualquer interessado. Trata-se de instituto que confere segurança às relações jurídicas. decisão do Supremo Tribunal Federal no RE nº 629.053. Por maioria[2][2] Na ocasião, ficou vencido o relator, Min. Marco Aurélio, que deu provimento ao Recurso Extraordinário e afastou a condenação da empresa ao pagamento de indenização substitutiva ao período de estabilidade. Para ele, “o direito à estabilidade pressupõe a prévia ciência [do empregador] quanto ao estado fisiológico da gravidez, o qual poderá ser objeto de comunicação pela prestadora de serviços e comprovado por qualquer meio idôneo”, desde que tal prova seja feita em momento anterior ao da despedida imotivada. dos votos, firmou-se a seguinte tese: “a incidência da estabilidade prevista no art. 10, II, do ADCT, somente exige a anterioridade da gravidez à dispensa sem justa causa”.
A discussão envolveu o conteúdo da palavra “confirmação” adotada pelo legislador constitucional, ao reconhecer a estabilidade[3][3] Tecnicamente, segundo Maurício Godinho Delgado (2018, p. 1.481 e 1.488), a denominação mais correta seria “garantia provisória de emprego”. É que o termo estabilidade configura “vantagem jurídica de caráter permanente deferida ao empregado em virtude de uma circunstância tipificada de caráter geral, de modo a assegurar a manutenção indefinida no tempo do vínculo empregatício, independente da vontade do empregador”. Já o termo garantia caracteriza-se pela “vantagem jurídica de caráter transitório deferida ao empregado em virtude de uma circunstância contratual ou pessoal obreira de caráter especial, de modo a assegurar a manutenção do vínculo empregatício por um lapso temporal definido, independente da vontade do empregador”, como ocorre no caso da empregada gestante. Contudo, nesta análise, o termo estabilidade provisória será usado como sinônimo de garantia. provisória à empregada gestante contra dispensa arbitrária[4][4] Alice Monteiro de Barros (2009, p. 992) indica a aplicação analógica do art. 165 da CLT:
Art. 165 da CLT: Os titulares da representação dos empregados nas CIPA(s) não poderão sofrer despedida arbitrária, entendendo-se como tal a que não se fundar em motivo disciplinar, técnico, econômico ou financeiro. ou sem justa causa:
Art. 10 do ADCT da CR/88: Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição:
(…)
II- fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa:
b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.
Do ponto de vista doutrinário, existem 02 correntes sobre a matéria. A primeira entende que “confirmar” exige um ato formal da empregada no sentido de demonstrar cabalmente a sua gravidez ao empregador. Somente a partir dessa ciência inequívoca, ela estaria protegida contra a dispensa imotivada.
Sob a ótica da responsabilidade subjetiva, tal posição entende que o empregador não poderia ser responsabilizado se a trabalhadora não o avisa que está grávida. E continua Sérgio Pinto Martins (2019, p. 678):
Não se pode imputar a alguém uma consequência a que não deu causa. Na data da dispensa não havia qualquer óbice à dispensa da trabalhadora, pois naquele momento não estava comprovada a gravidez ou era impossível constatá-la. Logo, não houve dispensa arbitrária com o objetivo de obstar o direito à garantia de emprego da gestante.
Assim, a confirmação da gravidez deve ser dar no curso do contrato de trabalho, ainda que no período do aviso prévio trabalhado ou indenizado, do contrário, não faria jus a obreira à garantia de emprego. Isso incluiria a hipótese de desconhecimento da empregada do seu próprio estado. Se ela não sabe que está grávida, como poderia antever o empregador no momento da dispensa?
Igual posição defendeu o relator, Min. Marco Aurélio, em seu voto vencido e advoga Amauri Mascaro Nascimento (2010). No processo em questão, foi também o que argumentou a reclamada.
Conforme a empresa, embora os documentos indicassem o início da gravidez durante o aviso prévio indenizado, a empregada apenas teria confirmado o seu estado na ação judicial proposta, ou seja, muito depois do fim do vínculo empregatício. Do que se conclui que a reclamante desconhecia a sua gestação no ato da dispensa, o que inviabilizaria a reintegração ou a indenização substitutiva ao período de estabilidade pleiteadas.
Todavia, prevaleceu o entendimento de que basta a ocorrência da gravidez, no curso do contrato de trabalho, para o reconhecimento da garantia provisória à empregada[5][5] Em 23/11/2017, foi publicada a Lei nº 13.509 que introduziu o parágrafo único no art. 391-A da CLT, para assegurar a estabilidade provisória ao empregado adotante ao qual tenha sido concedida guarda provisória para fins de adoção.
Art. 391-A da CLT: A confirmação do estado de gravidez advindo no curso do contrato de trabalho, ainda que durante o prazo do aviso prévio trabalhado ou indenizado, garante à empregada gestante a estabilidade provisória prevista na alínea b do inciso II do art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
Parágrafo único: O disposto no caput deste artigo aplica-se ao empregado adotante ao qual tenha sido concedida guarda provisória para fins de adoção.. É o que dispõe a teoria da responsabilidade objetiva defendida pelo Tribunal Superior do Trabalho (Súmula nº 244, I) e ratificada pelo STF no Recurso Extraordinário[6][6] O RE nº 629.053 é o Tema 497 com repercussão geral reconhecida pelo plenário do Supremo Tribunal Federal. Até a decisão de mérito, 105 processos ficaram com seu andamento suspenso, de acordo com informação divulgada pelo Conselho Nacional de Justiça..
SÚMULA Nº 244 DO TST: GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA (redação do item III alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) – Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012.
I- O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade (art. 10, II, “b” do ADCT).
II- A garantia de emprego à gestante só autoriza a reintegração se esta se der durante o período de estabilidade. Do contrário, a garantia restringe-se aos salários e demais direitos correspondentes ao período de estabilidade.
III- A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado.
Segundo o TST, o art. 10, II, “b” do ADCT dispensa qualquer outro requisito senão a própria condição de gestante, sendo irrelevantes a comunicação formal do empregador e a ciência do estado gravídico pela empregada. Desse modo, a expressão “confirmação” deve ser entendida, não como a confirmação médica, mas sim “concepção” no sentido de realizar, cumprir, acontecer.
Afirma Alice Monteiro de Barros (2009, p. 1.111-1.112) que a responsabilidade patronal decorre de um dado objetivo, “constituindo a gravidez um risco empresarial assumido pelo empregador ao firmar contrato de trabalho com uma mulher”. Em consequência:
a responsabilidade do empregador prescinde de sua culpa, autorizando a reparação não só na dispensa injusta, como no encerramento total ou parcial das atividades empresariais e ainda nas rescisões indiretas, que, evidentemente, pressupõem culpa.
[…] a gravidez da empregada se vincula à teoria do risco objetivo, do risco social, porquanto o Direito do Trabalho não protege, simplesmente, o conhecimento da gravidez pelo empregador, mas a gestação, na sua grandeza biológica.
Na mesma direção, destacou o Min. Alexandre de Moraes, no voto vencedor, que o art. 6º da Constituição ao tutelar a maternidade serve de fundamento para inúmeros outros direitos sociais instrumentais, como a licença-gestante (art. 7º, XVIII da CR/88) e a proteção da relação de emprego contra a despedida arbitrária ou sem justa causa da mulher grávida.
Sob essa ótica, a estabilidade provisória caracteriza-se como direito importante tanto para a gestante quanto para a criança, incluído o recém-nascido, “possibilitando sua convivência integral com a mãe, nos primeiros meses de vida, de maneira harmônica e segura – econômica e psicologicamente [devido à garantia de emprego] –, consagrada com absoluta prioridade no art. 227 [da CR/88]”.
Para o Ministro, não se trata de dolo, culpa ou responsabilidade objetiva e sim reconhecer a máxima efetividade de um direito fundamental social: o direito à maternidade e, como seu desdobramento, a proteção contra a dispensa arbitrária da gestante. Logo, o termo inicial da estabilidade é a própria gravidez, e arremata o julgador:
Constatado que houve gravidez antes da dispensa arbitrária, incide a estabilidade, não importa, a meu ver, que o timing da constatação ou da comunicação tenha sido posterior. O que importa é: Estava ou não grávida antes da dispensa? Para que incida essa proteção, para que incida a efetividade máxima do direito à maternidade, o que se exige é gravidez preexistente à dispensa arbitrária. O desconhecimento por parte da gestante, ou a ausência de comunicação – até porque os direitos sociais, e aqui a maternidade enquanto um direito também individual, são irrenunciáveis –, ou a própria negligência da gestante em juntar uma documentação e mostrar um atestado não pode prejudicá-la e prejudicar o recém-nascido durante aqueles cinco meses. Obviamente, se não conseguir comprovar que a gravidez era preexistente à dispensa arbitrária, não haverá incidência desse direito social.
Em seu voto, o Min. Edson Fachin acrescentou que a jurisprudência[7][7] STF; Processo nº RE 234.186/SP; Relator: Min. Sepúlveda Pertence; Órgão Julgador: 1ª Turma; Data de Publicação: DJ 31.08.2001; STF; Processo nº AI-ED 448.572/SP; Relator: Min. Celso de Mello; Órgão Julgador: 2ª Turma; Data de Publicação: DJ 16.12.2010; STF; Processo nº RE-AgR 570.311/SP; Relator: Min. Ayres Britto; Órgão Julgador: 2ª Turma; Data de Publicação: DJ 27.05.2011. do STF há muito tempo reconhece o requisito biológico (gravidez) como única exigência da estabilidade provisória, ainda que normas coletivas de trabalho condicionem, de forma equivocada e inconstitucional, o gozo do direito à comunicação prévia do empregador.
Por sua vez, o Min. Luís Roberto Barroso ressaltou não lhe ser indiferente a boa-fé do empregador no caso em questão, porém, o alcance do art. 10, II, “b” do ADCT é proteger o nascituro[8][8] O nascituro é o feto em desenvolvimento., garantir a ele uma condição melhor e assegurar à mãe a permanência no emprego, “numa situação em que, normalmente, a sua empregabilidade em outro lugar seria de maior dificuldade”.
Somado a isso, o citado Ministro alegou que a Previdência Social, ao arcar com o salário-maternidade, minimizaria eventual gravame assumido pela empresa com a reintegração da trabalhadora gestante.
Finalmente, os Min. Luiz Fux e Ricardo Lewandowski sublinharam a ratificação pelo Brasil da Convenção nº 103 da OIT que não estabelece, no seu artigo VI, nenhum condicionante além da gravidez para a estabilidade da empregada durante a licença-maternidade.
Embora essa decisão do STF produza efeitos apenas às partes litigantes do processo, ela sem dúvida gera precedente que orientará a atuação dos demais órgãos do Judiciário, bem como impedirá o seguimento de outros Recursos Extraordinários sobre a mesma matéria, por força do art. 1.030, I, “a” do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015).
Obras consultadas
- BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 5. ed. 2ª tiragem. revista e ampliada. São Paulo: LTr, 2009, p. 960, 992, 1.002-1.003 e 1.108-1.113.
- DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 17. ed. obra revista, atualizada e ampliada, conforme Lei n. 13.467/17 e MPr. n. 808/17. São Paulo: LTr, 2018, p. 1.470-1.471, 1.481, 1.488-1.493.
- MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 35. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 676-681.
- NASCIMENTO. Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 903.