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Afastamento do empregado durante o período concessivo de férias

Imagine a seguinte situação:

Um empregado cumpriu o período aquisitivo de férias do dia 02/12/2017 a 01/12/2018. Entretanto, ao final do prazo de concessão do descanso anual, o obreiro apresentou atestado médico, na data de 11/09/2019, determinando o seu afastamento do trabalho por 60 dias.

Considerando as formalidades legais para a fruição das férias, indaga-se: a empresa terá que pagá-la em dobro, haja vista a previsão do art. 137 da CLT?

Alguns dados importantes:

  • Período concessivo de férias: 02/12/2018 a 01/12/2019 (art. 134 da CLT);
  • Não houve o fracionamento das férias do trabalhador e a norma coletiva da categoria não estabelece nenhuma regra específica aplicável ao presente caso;
  • Se o 60º dia de afastamento cai no sábado (09/11/2019), o empregado irá retornar às suas atividades em 11/11/2019 (segunda-feira):

Noções preliminares sobre o tema

Inicialmente, cabe destacar que não basta a concessão do descanso anual de 30 dias[1][1] Considerando, é claro, que o empregado não tenha faltado injustificadamente ao trabalho mais de 05 vezes durante o período aquisitivo, nos termos do art. 130, I da CLT. em benefício do empregado (art. 7º, XVII da CR/88 e art. 130 da CLT). A empresa deve ainda cumprir uma série de procedimentos prévios que compreendem os atos de comunicação, anotação e pagamento[2][2] Não é demais lembrar que as férias correspondem a uma das hipóteses de interrupção do contrato de trabalho, na qual há a paralisação temporária da prestação de serviços e disponibilidade obreira, permanecendo a obrigação do empregador quanto ao pagamento de salário. do respectivo período ao trabalhador.

Assim, antes do gozo efetivo das férias, o obreiro precisa ser comunicado, por escrito[3][3] Como se sabe, o aviso de férias deve ser dado contrarrecibo em que conste a data e assinatura do empregado., da data de sua concessão com antecedência mínima de 30 dias. Embora a definição da época das férias seja prerrogativa do empregador, a CLT assegura esse prazo de aviso para permitir o planejamento adequado do descanso pelo empregado.

Paralelamente, tal aviso de férias favorece a própria organização interna do serviço, mediante a solução de pendências e o treinamento ou orientação do profissional que ficará responsável pelas atribuições do trabalhador, durante a sua ausência temporária.

Art. 135 da CLT: A concessão das férias será participada, por escrito, ao empregado, com antecedência de, no mínimo, 30 (trinta) dias. Dessa participação o interessado dará recibo.
§1º: O empregado não poderá entrar no gozo das férias sem que apresente ao empregador sua Carteira de Trabalho e Previdência Social, para que nela seja anotada a respectiva concessão.
§2º: A concessão das férias será, igualmente, anotada no livro ou nas fichas de registro dos empregados.
§3º: Nos casos em que o empregado possua a CTPS em meio digital, a anotação será feita nos sistemas a que se refere o §7º do art. 29 desta Consolidação, na forma do regulamento, dispensadas as anotações de que tratam os §§1º e 2º deste artigo.

Segundo o art. 135, §§1º e 2º da CLT, as férias concedidas deverão também ser anotadas tanto na CTPS, quanto no livro ou ficha de registro[4][4] Nos termos do art. 51, II da LC nº 123/2006, as microempresas e as empresas de pequeno porte estão dispensadas de anotar as férias dos empregados nos livros ou fichas de registro. do empregado. O descumprimento dessa obrigação e do dever de pré-aviso acarreta o pagamento de multa administrativa[5][5] A multa administrativa, igualmente, será aplicada em dobro, se a empresa usar de artifício ou simulação com o fim de fraudar a lei (art. 153 da CLT). O valor da penalidade é de R$ 170,26 por empregado lesado. por obreiro prejudicado, dobrada na reincidência, embaraço ou resistência à fiscalização.

Com o advento da Lei nº 13.874/2019[6][6] Trata-se da MP da Liberdade Econômica (Medida Provisória nº 881) que foi convertida em lei, com entrada em vigor no dia 20/09/2019. Para mais informações, consultar o post publicado em 29/09/2019., que formalizou a emissão e tornou obrigatória a CTPS digital, para os empregadores submetidos ao e-Social, as anotações a partir de 20/09/2019 serão efetuadas apenas eletronicamente, garantida ao trabalhador a conferência após o processamento dos dados pelo sistema.

Nesse sentido, o registro das férias na CTPS física virou exceção, a teor do art. 135, §3º da CLT e da Portaria nº 1.065/2019 da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, o que demanda maior cautela na aplicação do dispositivo legal.

Quanto à remuneração das férias e do terço constitucional[7][7] Vale destacar que o recibo de férias deve ser emitido em duas vias, com a indicação da data do pagamento e assinatura do trabalhador dando quitação., a regra determina o pagamento até 02 dias antes do seu início (art. 145 da CLT), sob pena de dobra do valor devido ao obreiro.

De acordo com Maurício Godinho (2018, p. 1.173), na falta de previsão expressa, a jurisprudência entende que a mora da empresa é grave a ponto de inviabilizar o direito do trabalhador. Logo, a Súmula nº 450 do TST aplica a mesma sanção pecuniária do art. 137 da CLT ao pagamento efetuado fora do prazo:

SÚMULA Nº 450 DO TST: FÉRIAS. GOZO NA ÉPOCA PRÓPRIA. PAGAMENTO FORA DO PRAZO. DOBRA DEVIDA. ARTS. 137 E 145 DA CLT (conversão da Orientação Jurisprudencial nº 386 da SBDI-1) – Res. 194/2014, DEJT divulgado em 21, 22 e 23.05.2014. É devido o pagamento em dobro da remuneração de férias, incluído o terço constitucional, com base no art. 137 da CLT, quando, ainda que gozadas na época própria, o empregador tenha descumprido o prazo previsto no art. 145 do mesmo diploma legal.

Art. 137 da CLT: Sempre que as férias forem concedidas após o prazo de que trata o art. 134, o empregador pagará em dobro a respectiva remuneração.
§1º: Vencido o mencionado prazo sem que o empregador tenha concedido as férias, o empregado poderá ajuizar reclamação pedindo a fixação, por sentença, da época de gozo das mesmas.
§2º: A sentença cominará pena diária de 5% (cinco por cento) do salário mínimo da região, devida ao empregado até que seja cumprida.
§3º: Cópia da decisão judicial transitada em julgado será remetida ao órgão local do Ministério do Trabalho, para fins de aplicação da multa de caráter administrativo.

Mas qual o problema da situação relatada no início deste post? Após a volta do empregado do afastamento previdenciário no dia 11/11/2019, o empregador não terá tempo hábil para comunicar, com antecedência mínima de 30 dias, o início das férias, além de descumprir o prazo para a sua concessão (até 01/12/2019).

Como se não bastasse, tendo o afastamento sido motivado por doença e superior a 30 dias, a NR nº 07 do antigo MTE[8][8] Com a MP nº 870/2019 (depois convertida na Lei nº 13.844), houve a extinção do MTE e suas atribuições foram transferidas ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, Ministério da Cidadania e ao Ministério da Economia, que concentrou a maior parte das competências do antigo órgão. obriga a submissão do obreiro a exame médico, no 1º dia de retorno ao trabalho, independente do tipo de enfermidade que lhe acometeu:

Item 7.4.3.3 da NR-07 do MTE: No exame médico de retorno ao trabalho, deverá ser realizada obrigatoriamente no primeiro dia da volta ao trabalho de trabalhador ausente por período igual ou superior a 30 (trinta) dias por motivo de doença ou acidente, de natureza ocupacional ou não, ou parto.

Do exposto, a empresa deseja saber se há alguma alternativa que a isente do pagamento das férias em dobro e, ao mesmo tempo, afaste o risco de eventual multa administrativa. Conforme se verá existe entendimento que resolve a questão aqui discutida.

A resposta do caso concreto

Na falta de previsão expressa sobre o assunto, a jurisprudência majoritária entende que, tal como ocorre com o contrato, o afastamento previdenciário gera, igualmente, a suspensão do período concessivo de férias do empregado até o seu retorno ao trabalho.

O fundamento legal encontra-se nos arts. 59, 60 e 63 da Lei nº 8.213/91 e art. 476 da CLT. Ou seja, a partir do 16º dia de incapacidade, o obreiro é considerado em licença não remunerada, assumindo o INSS o encargo financeiro através da concessão de auxílio-doença ou outro benefício aplicável.

Art. 59 da Lei nº 8.213/91: O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.
(…)

Art. 60 da Lei nº 8.213/91: O auxílio-doença será devido ao segurado empregado a contar do décimo sexto dia do afastamento da atividade, e, no caso dos demais segurados, a contar da data do início da incapacidade e enquanto ele permanecer incapaz.
(…)
§3º: Durante os primeiros quinze dias consecutivos ao do afastamento da atividade por motivo de doença, incumbirá à empresa pagar ao segurado empregado o seu salário integral.
(…)

Art. 63 da Lei nº 8.213/91: O segurado empregado, inclusive o doméstico, em gozo de auxílio-doença será considerado pela empresa e pelo empregador doméstico como licenciado.
(…)

Art. 476 da CLT: Em caso de seguro-doença ou auxílio-enfermidade, o empregado é considerado em licença não remunerada, durante o prazo desse benefício.

Dessa forma, o termo final para o gozo das férias fica prorrogado, o que impede a cominação de qualquer penalidade ao empregador. Para facilitar a compreensão:

  • Do dia 26/09/2019 (16º dia contado de 11/09/2019) a 09/11/2019, o contrato de trabalho ficou suspenso, bem como o período concessivo de férias;
  • A partir de 10/11/2019, o prazo para a fruição das férias volta a correr do ponto em que parou, tendo a empresa até 15/01/2020 para concedê-la ao empregado e cumprir as formalidades legais.

Somente se for ultrapassada a data de 15/01/2020, a empresa deverá pagar as férias do obreiro em dobro (cf. Súmulas nº 81 e 450 do TST), sem prejuízo de eventual autuação fiscal pelo órgão de inspeção do trabalho. No mesmo sentido, atesta Cláudia Salles Vilela (2014, p. 416) e as decisões a seguir:

EMENTA: BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. PRORROGAÇÃO DO PERÍODO CONCESSIVO DE FÉRIAS. O gozo do auxílio previdenciário suspende o contrato de trabalho, prorrogando-se, por conseguinte, o fim do período concessivo de férias. Desta forma, quando cessa a causa da referida suspensão, começa a contagem do restante do prazo para a concessão das férias, estando o empregador, da mesma maneira, obrigado a concedê-las a seu empregado até o final desta prorrogação, sob pena de seu pagamento em dobro (TRT 3ª Região; Processo nº: 00843-2006-048-03-003 RO; Órgão Julgador: 3ª Turma; Relator: Bolivar Viegas Peixoto; Data de Publicação: 19.05.2007).

EMENTA: FÉRIAS. SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. PAGAMENTO DE FORMA SIMPLES. É indevido o pagamento em dobro das férias quando o respectivo período concessivo não se completou, em virtude de suspensão do contrato de trabalho, com percepção de benefício previdenciário (auxílio-doença) (TRT da 3ª Região; Processo nº: 0001689-46.2011.5.03.0144 RO; Órgão Julgador: 4ª Turma; Relator: Convocado Vitor Salino de Moura Eca; Revisor: Júlio Bernardo do Carmo; Data de Publicação: 10.12.2012).

EMENTA: FÉRIAS. SUSPENSÃO DA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS DURANTE O PERÍODO CONCESSIVO. Ficando o empregado afastado do trabalho por mais de 7 meses durante o curso do período concessivo, quando então falece sem ter usufruído das férias, indevida se torna a sua dobra. As férias não foram concedidas no momento oportuno apenas em razão do afastamento do trabalhador, não tendo o empregador, nesse caso de suspensão do contrato de trabalho, como concedê-las (TRT da 3ª Região; Processo nº: 0001996-54.2011.5.03.0029 RO; Órgão Julgador: 3ª Turma; Relator: Camilla G. Pereira Zeidler; Revisor: Emilia Facchini; Data de Publicação: 04.03.2013).

EMENTA: FÉRIAS. CONTRATO DE TRABALHO SUSPENSO. PERÍODO CONCESSIVO. Tornado incontroverso a ocorrência da suspensão do contrato, indiscutível que, no respectivo período, também ficou suspenso o prazo do período concessivo (TRT da 1ª Região; Processo nº: 0000264-14.2010.5.01.0034 RO; Órgão Julgador: 5ª Turma; Relator: Mirian Lippi Pacheco; Data de Publicação: 25.10.2011; Data de Julgamento: 10.10.2011).

EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMANTE. DOBRA DAS FÉRIAS. O descanso anual deve ser corretamente usufruído, por se tratar de norma de natureza cogente, de saúde, segurança e higidez no trabalho. Ocorre que, no presente caso, no período concessivo em referência, a obreira usufruiu de licença maternidade, havendo a suspensão do contrato de trabalho. Portanto, houve prorrogação do termo final do período concessivo. Tendo sido usufruídas em junho/2017, não há se falar em pagamento dobrado das férias (TRT da 2ª Região; Processo nº: 1000326-46.2018.5.02.0384 RO; Órgão Julgador: 3ª Turma; Relator: Margoth Giacomazzi Martins; Data de Publicação: 18.06.2019).

EMENTA: RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014. FÉRIAS EM DOBRO. SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO APÓS O TÉRMINO DO PERÍODO CONCESSIVO. O Tribunal Regional consignou ser incontroverso que a reclamante foi afastada do serviço em 24.11.2010, recebendo auxílio previdenciário até 06.02.2014. Registrou ainda que as férias relativas ao ano de 2009/2010 se refere ao período aquisitivo de 08.09.2009 a 07.09.2010, sendo que a reclamada tinha até a data de 07.09.2011 para conceder referidas férias. Logo, a suspensão do contrato de trabalho, por ocasião do recebimento de auxílio previdenciário, ocorreu após o término do período concessivo, ensejando o pagamento em dobro das férias vencidas pelo descumprimento do art. 137 da CLT, uma vez que houve o transcurso do período concessivo previsto no art. 134 da CLT. Recurso de Revista não conhecido (TST; Processo nº: RR-918-31.2014.5.23.0007; Órgão Julgador: 2ª Turma; Relatora: Ministra Maria Helena Mallmann; Data de Publicação: DEJT 27.10.2017).

Obras consultadas

  • DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 17. ed. obra revista, atualizada e ampliada, conforme a Lei n. 13.467/17 e MPr. n. 808/17. São Paulo: LTr, 2018, p. 1.173-1.174.
  • VIANNA, Cláudia Salles Vilela. Manual Prático das Relações Trabalhistas. 12. ed. São Paulo: LTr, 2014, p. 409-411, 413 e 416.