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Estudo de Caso: É possível antecipar as férias individuais do trabalhador?

Na semana passada, recebi uma consulta muito interessante, envolvendo a situação de uma empregada grávida. Segundo a empresa, a trabalhadora completará o seu período aquisitivo de férias em setembro e deseja gozar os 30 dias de descanso em outubro/2019.

Após a fruição das férias, a empregada entrará em licença maternidade até março/2020, conforme o art. 7º, XVIII da CR/88 (120 dias). Terminada a licença, ao invés voltar ao trabalho, a obreira pediu a antecipação das suas férias individuais para abril/2020, apesar de só completar o novo período aquisitivo em setembro do ano que vem.

Trata-se de vantagem prevista na norma coletiva da categoria:

Diante da autorização na Convenção Coletiva, a empresa indagou se é possível atender o pedido da empregada e se tal situação acarretará algum tipo de passivo trabalhista. Cabe ressaltar que a CCT sob exame tem vigência pelo período de 1º de outubro de 2018 a 30 de setembro de 2019.

Para facilitar a compreensão:

A validade da cláusula da Convenção Coletiva de Trabalho

Para responder os questionamentos da empresa, inicialmente, é preciso verificar se a cláusula 16ª, que prevê a possibilidade de antecipação das férias individuais, é válida perante à legislação trabalhista em vigor.

Conforme o art. 611-B[1][1] Trata-se de dispositivo introduzido pela Lei nº 13.467/2017 – Reforma Trabalhista. da CLT, é vedada a supressão ou redução, via negociação coletiva, do número de dias de férias devidas ao empregado, bem como o gozo anual das férias remuneradas + 1/3 (art. 7º, XVII da CR/88):

Art. 611-B da CLT: Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos:
(…)
XI- número de dias de férias devidas ao empregado;
XII- gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;
(…)

Através dessa previsão, o legislador visou limitar a flexibilização de alguns direitos em prejuízo do trabalhador. Ou seja, as matérias elencadas no artigo citado são de indisponibilidade absoluta, não podendo ser objeto de Convenção ou Acordo Coletivo.

Veja, todavia, que a antecipação das férias individuais não se insere na proibição do art. 611-B e nem acarreta qualquer dano à empregada. Por sua vez, o art. 611-A da CLT – outra alteração da Reforma Trabalhista – estabelece um rol exemplificativo[2][2] Observe que, no art. 611-A da CLT, o legislador utilizou a expressão “entre outros” para autorizar a negociação coletiva de outras matérias além das indicadas nos incisos, desde que atendidos os limites constitucionais e a restrição fixada no art. 611-B. de temas passíveis de negociação com o sindicato da categoria:

Art. 611-A da CLT: A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre:
I- pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais;
II- banco de horas anual;
III- intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas;
IV- adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE), de que trata a Lei nº 13.189, de 19 de novembro de 2015;
V- plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança;
VI- regulamento empresarial;
VII- representante dos trabalhadores no local de trabalho;
VIII- teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente;
IX- remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado, e remuneração por desempenho individual;
X- modalidade de registro de jornada de trabalho;
XI- troca do dia de feriado;
XII- enquadramento do grau de insalubridade;
XIII- prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho;
XIV- prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventualmente concedidos em programas de incentivo;
XV- participação nos lucros ou resultados da empresa.
(…)

Da leitura de ambos os dispositivos é possível concluir a validade da cláusula 16ª da CCT. Primeiro, porque ela não diminui o número de dias de descanso da trabalhadora e não altera o valor da remuneração devida a título de férias (art. 7º, XVII da CR/88). Segundo, pois a matéria tratada se insere no rol permissivo do art. 611-A da CLT.

Tal constatação, porém, não sugere o emprego automático da cláusula no presente caso. Há outros aspectos que precisam ser considerados pela empresa antes de antecipar as férias individuais a pedido da obreira gestante.

Férias individuais: regras aplicáveis

Como se sabe, nos termos do art. 130 da CLT, é requisito para o gozo das férias[3][3] As férias é um típico exemplo de interrupção do contrato de trabalho. Nela, o empregado não presta serviço, mas recebe a remuneração corresponde (acrescida de 1/3 a mais do que o salário normal – art. 7º, XVII da CR/88 c/c art. 129 da CLT). Por força do art. 130, §2º da CLT, durante as férias, é computado o tempo de serviço para todos os efeitos. anuais (30 dias) o trabalho durante 12 meses, desde que nesse período aquisitivo o empregado não tenha faltado ao serviço mais de 05 vezes sem justificativa:

Art. 130 da CLT: Após cada período de 12 (doze) meses de vigência do contrato de trabalho, o empregado terá direito a férias, na seguinte proporção:
I- 30 (trinta) dias corridos, quando não houver faltado ao serviço mais de 5 (cinco) vezes;
II- 24 (vinte e quatro) dias corridos, quando houver tido de 6 (seis) a 14 (quatorze) faltas;
III- 18 (dezoito) dias corridos, quando houver tido de 15 (quinze) a 23 (vinte e três) faltas;
IV- 12 (doze) dias corridos, quando houver tido de 24 (vinte e quatro) a 32 (trinta e duas) faltas.
§1º: É vedado descontar, do período de férias, as faltas do empregado ao serviço.
§2º: O período das férias será computado, para todos os efeitos, como tempo de serviço.

Nesse sentido, no caso analisado, não há nenhum problema a empresa conceder férias à empregada gestante em outubro/2019. Isso, porque a trabalhadora completará o período aquisitivo no mês de setembro e não foram comunicadas faltas injustificadas superiores ao limite legal, o que geraria a perda dos 30 dias de descanso[4][4] Até o advento da Lei nº 13.467/2017 – Reforma Trabalhista, era admitido o fracionamento das férias apenas em casos excepcionais e, no máximo, em 02 períodos, um dos quais não podendo ser inferior a 10 dias corridos. Pela nova redação do art. 134, §1º da CLT, passou a ser aceita a divisão das férias em até 03 períodos, um deles não inferior a 14 dias corridos e os demais superiores a 05 dias corridos cada um, desde que haja concordância do empregado. Além disso, ficou vedado o início das férias no período de 02 dias que antecede feriado ou dia de repouso semanal remunerado (art. 134, §3º da CLT)..

Quanto às férias de abril/2020, embora a cláusula 16ª permita o gozo antecipado, existem algumas questões práticas que dificultam a sua concessão pela empresa. A primeira diz respeito à vigência da norma coletiva pactuada.

De acordo com o art. 614, §3º da CLT, as normas coletivas têm duração máxima de 02 anos, sendo vedada a ultratividade. Significa dizer que o Acordo e a Convenção Coletiva produzem efeitos apenas pelo prazo assinalado em seu texto[5][5] É o que Maurício Godinho Delgado (2018, p. 1.663) chama de aderência da norma coletiva limitada pelo prazo.. Atingido o termo final, a norma perde a sua validade, dependendo de nova negociação com o sindicato.

Art. 614 da CLT: Os sindicatos convenentes ou as empresas acordantes promoverão, conjunta ou separadamente, dentro de 8 (oito) dias da assinatura da Convenção ou Acordo, o depósito de uma via do mesmo, para fins de registro e arquivo, no Departamento Nacional do Trabalho, em se tratando de instrumento de caráter nacional ou interestadual, ou nos órgãos regionais do Ministério do Trabalho e Previdência Social, nos demais casos.
(…)
§3º: Não será permitido estipular duração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho superior a dois anos, sendo vedada a ultratividade.

Trata-se de mudança significativa trazida pela Reforma Trabalhista. Até a entrada em vigor[6][6] A Lei nº 13.467 entrou em vigor no dia 11/11/2017. Para mais informações sobre o tema, consultar o post publicado em 05/01/2019. da Lei nº 13.467/2017, a orientação da jurisprudência era no sentido de que as normas coletivas geram efeitos até que um novo Acordo ou Convenção promova a sua revogação tácita[7][7] A revogação tácita da norma coletiva ocorre quando o novo Acordo ou Convenção passa a regular toda a matéria da norma anterior, independente da existência de incompatibilidade entre os dispositivos novos e antigos (DELGADO, 2018, p. 1.664). ou expressa. Daí o porquê da expressão “ultratividade”.

Essa posição, consolidada na Súmula nº 277 do TST[8][8] Por força de decisão liminar (14/10/2016), na ADPF nº 373/DF, o Min. Gilmar Mendes deferiu “a suspensão de todos os processos em curso e dos efeitos de decisões judiciais proferidas no âmbito da Justiça do Trabalho que versem sobre a aplicação da ultratividade de normas de acordos e de convenções coletivas, sem prejuízo do término de sua fase instrutória, bem como das execuções já iniciadas”.
A referida ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, proposta pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (CONFENEN), visa afastar suposta interpretação inconstitucional do TST ao art. 114, §2º da CR/88, que fundamenta a redação atual da Súmula nº 277. Assim, até que o mérito da ADPF seja apreciado, cujo julgamento está marcado para o dia 20/11/2019, permanecem suspensos os efeitos do texto sumulado.
, estimulava a negociação sindical, pois a norma coletiva, ainda que terminada a sua vigência, continuava produzindo efeitos nos contratos de trabalho (DELGADO, 2018, p. 1.664 e 1.666). Só que a escolha do legislador, através da Lei nº 13.467/2017, foi acabar com essa ultratividade, o que certamente gerará a revisão do texto sumulado.

Portanto, considerando o termo final da CCT em 30 de setembro de 2019, se houver a antecipação das férias da empregada para abril/2020, a empresa corre o risco de ter de concedê-las novamente, visto a norma coletiva não estar mais em vigor[9][9] Nesse raciocínio, pressupõe-se que os sindicatos não negociaram outra Convenção Coletiva de Trabalho ou a nova norma aplicável à categoria não contém regra igual à cláusula 16ª em análise..

Observe que a CLT não prevê a possibilidade do gozo antecipado das férias individuais[10][10] Somente no caso de férias coletivas é possível conceder férias a empregados contratados há menos de 12 meses (arts. 139 e 140 da CLT). E nem poderia ser diferente, pois, durante as férias coletivas, ocorre a paralisação de toda a atividade empresarial, alguns estabelecimentos ou setores da empresa.. O obreiro apenas adquire esse direito após o cumprimento do período aquisitivo (arts. 130 e 134 da CLT). Ou seja, o empregador, no presente caso, estará dando benefício sem a chancela do sindicato e sem previsão legal.

Art. 130 da CLT: Após cada período de 12 (doze) meses de vigência do contrato de trabalho, o empregado terá direito a férias, na seguinte proporção:
(…)

Art. 134 da CLT: As férias serão concedidas por ato do empregador, em um só período, nos 12 (doze) meses subseqüentes à data em que o empregado tiver adquirido o direito.
(…)

Assim, para a legislação trabalhista, as férias antecipadas da empregada equivalerá a uma licença remunerada, sem prejuízo do descanso anual de 30 dias após o término do período aquisitivo. O risco supracitado só estaria afastado na hipótese de nova Convenção Coletiva contendo regra semelhante à cláusula 16ª. Tal situação, porém, é impossível de antever.

Paralelamente, existe também a obrigatoriedade da comunicação das férias ao empregado, nos termos do art. 135 da CLT. Se a trabalhadora gestante está em licença maternidade (de novembro/2019 a março/2020), como a empresa poderá atender essa formalidade?

Art. 135 da CLT: A concessão das férias será participada, por escrito, ao empregado, com antecedência de, no mínimo, 30 (trinta) dias. Dessa participação o interessado dará recibo.
§1º: O empregado não poderá entrar no gozo das férias sem que apresente ao empregador sua Carteira de Trabalho e Previdência Social, para que nela seja anotada a respectiva concessão.
§2º: A concessão das férias será, igualmente, anotada no livro ou nas fichas de registro dos empregados.

Por fim, cumpre ressaltar o disposto na NR-07 do antigo MTE[11][11] A NR-07 do MTE obriga a elaboração e implementação por todos os empregadores do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional e estabelece os parâmetros mínimos na execução do PCMSO., que determina a realização de exame médico, no 1º dia de retorno ao trabalho, na empregada ausente em razão de parto:

Item 7.4.3.3 da NR-07 do MTE: No exame médico de retorno ao trabalho, deverá ser realizada obrigatoriamente no primeiro dia da volta ao trabalho de trabalhador ausente por período igual ou superior a 30 (trinta) dias por motivo de doença ou acidente, de natureza ocupacional ou não, ou parto.

Logo, verifica-se a impossibilidade de atender o pedido da obreira, sem que a empresa viole alguma regra da legislação. No caso sob estudo, a empregada teria que voltar ao trabalho em março/2020; efetuar o exame médico de retorno; e laborar 30 dias para conseguir antecipar as suas férias, desde que a nova Convenção Coletiva da categoria assim o autorize.

Outros aspectos dignos de nota

Embora a cláusula 16ª da CCT seja válida, o seu conteúdo é problemático, porque ele subverte a regra de concessão das férias individuais pelo empregador, o que causa inúmeras dificuldades, como as acima explicadas.

E mesmo que a situação não envolvesse empregada gestante, a referida cláusula continuaria sendo de difícil aplicação, pois sempre existiria o risco de o trabalhador pedir demissão, após o gozo das férias antecipadas, sem o cumprimento total do período aquisitivo. Nessa hipótese, a empresa poderá descontar das verbas rescisórias o valor a mais recebido a título de férias?

A Convenção Coletiva de Trabalho pactuada não responde essa pergunta.

Veja que, na antecipação das férias, o empregador pagará a remuneração correspondente a 30 dias[12][12] Supondo é claro que as partes não tenham optado pelo fracionamento das férias autorizado no art. 134, §1º da CLT. mais o terço constitucional. No pedido de demissão, todavia, é garantido ao obreiro apenas o pagamento das férias proporcionais + 1/3, quando a duração do contrato de trabalho for inferior a 01 ano.

Do ponto de vista prático, portanto, a aplicabilidade da cláusula 16ª fica prejudicada, ainda mais considerando que ela não obriga a antecipação das férias individuais, tão somente estabelece uma faculdade: “as empresas poderão (…)”. E nem seria diferente, visto o art. 136 da CLT determinar que “a época da concessão das férias será a que melhor consulte os interesses do empregador”.

Obras consultadas

  • DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 17. ed. obra revista, atualizada e ampliada, conforme Lei n. 13.467/17 e MPr. n. 808/17. São Paulo: LTr, 2018, p. 1.663-1.667.