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Nova Reforma Trabalhista é instituída pela MP nº 905 – Parte 3

ATENÇÃO: Para a melhor compreensão deste texto, antes, orienta-se a leitura do post publicado em 29/06/2019.

Com a edição da Emenda Constitucional nº 32/2001, ficou vedada a reedição, na mesma sessão legislativa[1][1] A sessão legislativa ordinária é o período de atividade normal do Congresso a cada ano, de 02 de fevereiro a 17 julho e de 1º de agosto a 22 de dezembro. Cada quatro sessões legislativas, a contar do ano seguinte ao das eleições parlamentares, compõem uma legislatura que coincide com a duração do mandato dos deputados (arts. 44, §único e 57 da CR/88). Já a sessão legislativa extraordinária compreende o trabalho realizado durante o recesso parlamentar, mediante convocação., de Medida Provisória que tenha sido rejeitada ou perdido a sua eficácia pelo decurso de prazo (art. 62, §10 da CR/88).

Tal restrição visa preservar o princípio da separação de poderes, impedindo que o Presidente da República possua controle e comando da pauta do Congresso Nacional. É que a atividade legiferante não faz parte do núcleo funcional do Executivo, o que evidencia a excepcionalidade das MP’s[2][2] Conferir a ADI nº 5.709-DF, de relatoria da Min. Rosa Weber. Nesse julgamento, por unanimidade, foi fixada a seguinte tese: “é inconstitucional medida provisória ou lei decorrente de conversão de medida provisória cujo conteúdo normativo caracterize a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória anterior rejeitada, de eficácia exaurida por decurso do prazo ou que ainda não tenha sido apreciada pelo Congresso Nacional dentro do prazo estabelecido pela Constituição Federal”..

Para os críticos, a MP nº 905/2019 é inconstitucional exatamente pela inobservância desse requisito, haja vista ter tratado de matéria (trabalho aos domingos e feriados) rejeitada pelo Senado durante a tramitação da MP da Liberdade Econômica (depois convertida na Lei nº 13.874/2019). De fato, salvo mudanças pontuais, a redação das medidas é idêntica:

MP nº 881/2019 – LIBERDADE ECONÔMICA MP nº 905/2019 – CONTRATO VERDE E AMARELO
Art. 67 da CLT: Será assegurado a todo empregado um repouso semanal remunerado de vinte e quatro horas consecutivas, preferencialmente aos domingos. Art. 67 da CLT: É assegurado a todo empregado um repouso semanal remunerado de vinte e quatro horas consecutivas, preferencialmente
aos domingos.
Art. 68 da CLT: Fica autorizado o trabalho aos domingos e feriados.
Parágrafo único: O repouso semanal remunerado deverá coincidir com o domingo pelo menos uma vez no período máximo de quatro semanas.
Art. 68 da CLT: Fica autorizado o trabalho aos domingos e aos feriados.
§1º: O repouso semanal remunerado deverá coincidir com o domingo, no mínimo, uma vez no período máximo de quatro semanas para os setores de comércio e serviços e, no
mínimo, uma vez no período máximo de sete semanas para o setor industrial.
§2º: Para os estabelecimentos de comércio, será observada a legislação local.
Art. 70 da CLT: O trabalho aos domingos e nos feriados será remunerado em dobro, salvo se o empregador determinar outro dia de folga compensatória. Art. 70 da CLT: O trabalho aos domingos e aos feriados será remunerado em dobro, exceto se o empregador determinar outro dia de folga compensatória.
Parágrafo único: A folga compensatória para o trabalho aos domingos corresponderá ao repouso semanal remunerado.
Revogação do art. 319 da CLT Revogação do art. 319 da CLT
Revogação dos arts. 6º ao 6º-B da Lei nº 10.101/2000 Revogação dos arts. 6º ao 6º-B da Lei nº 10.101/2000
Revogação dos arts. 8º ao 10 da Lei nº 605/49 Revogação dos arts. 8º ao 10 da Lei nº 605/49

Além do argumento supracitado, a Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio (CNTC) destacou, na ADI nº 6.267-DF[3][3] A ação foi distribuída, no dia 25/11/2019, ao relator Min. Roberto Barroso., a ausência dos requisitos de relevância e urgência (art. 62 da CR/88), a fim de justificar a propositura da medida[4][4] De acordo com Fernando Limongi (2019, p. 43), até 29 de outubro, “o presidente havia assinado 32 medidas provisórias. Das dezoito editadas há mais de 120 dias, apenas oito foram convertidas em lei – ou seja, dez perderam a validade”..

Segundo a entidade, não há na exposição de motivos nenhuma explicação para autorizar de maneira ampla o labor aos domingos e feriados. Do que se conclui que o governo Bolsonaro quis modificar direitos trabalhistas sem o debate com a sociedade civil e usurpando a prerrogativa do Poder Legislativo.

Ainda é cedo para afirmar qual será a posição do Congresso Nacional. Todavia, é forte a resistência entre os parlamentares. De outra parte, nada impede que, em reclamatórias na Justiça do Trabalho, os juízes declarem a inconstitucionalidade da MP nº 905/2019 de modo difuso[5][5] O controle concentrado de constitucionalidade é competência do STF, nos termos do art. 102, I, “a” da CR/88, e produz efeitos que extrapolam os limites da causa. Significa dizer que a decisão vincula todos os órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública, ao contrário do que ocorre com o controle difuso.. Ou seja, afastem a sua aplicação ao caso concreto.

Logo, recomenda-se cautela às empresas a despeito das alterações, nesse particular, já estarem em vigor (arts. 67, 68, 70 da CLT, Lei nº 605/49 e Lei nº 10.101/2000). Em tempos de insegurança jurídica, a consulta ao advogado se tornou indispensável para evitar passivos.

O que mudou com a Medida Provisória

A principal alteração atingiu o caráter excepcional do labor aos domingos e feriados. Se antes da MP nº 905/2019, o trabalho em dias de repouso dependia das condições peculiares da atividade econômica ou do interesse público (antiga redação do art. 68, §único da CLT, art. 5º, §único da Lei nº 605/49 e art. 6º do Decreto nº 27.048/49), agora, não há mais tal restrição.

Nesse sentido, o empregador ficou dispensado da permissão prévia para a exigência de serviço aos domingos e feriados. Vale sublinhar que a medida tornou sem efeito a Portaria nº 604/2019[6][6] A referida Portaria foi publicada em 19/06/2019 no Diário Oficial da União. da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, que tinha ampliado a autorização permanente para outras 06 áreas.

A MP também alcançou a categoria dos professores, com a revogação do art. 319 da CLT. Assim, após 12/11/2019, é permitida a aplicação de exames e regência de aulas aos domingos, salvo se a norma coletiva apresentar cláusula em sentido contrário.

Tamanha flexibilização do labor nos dias de repouso, porém, não deu poderes ilimitados às empresas. Continua devida a remuneração em dobro, caso não seja dada folga compensatória ao empregado (art. 6º, §3º do Decreto nº 27.048/49 e art. 70 da CLT). Igualmente, caberá a dobra quando o repouso semanal for concedido depois do 7º dia consecutivo de trabalho:

SÚMULA Nº 146 DO TST: TRABALHO EM DOMINGOS E FERIADOS, NÃO COMPENSADO (incorporada a Orientação Jurisprudencial nº 93 da SBDI-1) – Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. O trabalho prestado em domingos e feriados, não compensado, deve ser pago em dobro, sem prejuízo da remuneração relativa ao repouso semanal.

OJ Nº 410 DA SDI-I DO TST: REPOUSO SEMANAL REMUNERADO. CONCESSÃO APÓS O SÉTIMO DIA CONSECUTIVO DE TRABALHO. ART. 7º, XV, DA CF. VIOLAÇÃO (DEJT divulgado em 22, 25 e 26.10.2010). Viola o art. 7º, XV, da CF a concessão de repouso semanal remunerado após o sétimo dia consecutivo de trabalho, importando no seu pagamento em dobro.

Por força da nova redação do art. 68, §1º da CLT, na hipótese de labor aos domingos, deve ser elaborada escala de revezamento, de modo que o descanso semanal coincida com o domingo, no mínimo, uma vez a cada 04 semanas para os setores de comércio/serviços e a cada 07 semanas para o setor industrial.

Veja que a limitação antes imposta pelo art. 6º, §único da Lei nº 10.101/2000 foi suprimida pela Medida Provisória. O mesmo resultado se constata com a escala de revezamento quinzenal, antes prevista no art. 386 da CLT, em razão do trabalho executado por mulher.

No tocante ao comércio em geral, cumpre destacar ainda que o serviço nos feriados não depende mais de autorização em Convenção, tal como fixava o art. 6º-A da Lei nº 10.101/2000 e o Precedente Administrativo nº 45, IV do antigo MTE. A MP nº 905/2019, portanto, enfraquece a negociação coletiva e o poder dos sindicatos.

Uma vez descumpridos os dispositivos do Capítulo “Da Duração do Trabalho”, aos infratores será aplicada multa administrativa, conforme os valores definidos no novo art. 634-A, II CLT[7][7] Até que seja editada a referida regulamentação, o valor das multas varia de R$ 40,25 a R$ 4.025,33, dobrado na hipótese de reincidência, oposição ou desacato., observados o porte econômico da empresa e a natureza da penalidade. Todavia, tal matéria depende de regulamentação pelo Ministério da Economia.

Abaixo, segue quadro compartivo para a melhor compreensão das mudanças ocorridas:

ANTES DA MP Nº 905/2019 DEPOIS DA MP Nº 905/2019
Art. 67 da CLT: Será assegurado a todo empregado um descanso semanal de 24 (vinte e quatro) horas consecutivas, o qual, salvo motivo de conveniência pública ou necessidade imperiosa do serviço, deverá coincidir com o domingo, no todo ou em parte.
Parágrafo único: Nos serviços que exijam trabalho aos domingos, com exceção quanto aos elencos teatrais, será estabelecida escala de revezamento, mensalmente organizada e constando de quadro sujeito à fiscalização.
Art. 67 da CLT: É assegurado a todo empregado um repouso semanal remunerado de vinte e quatro horas consecutivas, preferencialmente aos domingos.
Parágrafo único: Nos serviços que exijam trabalho aos domingos, com exceção quanto aos elencos teatrais, será estabelecida escala de revezamento, mensalmente organizada e constando de quadro sujeito à fiscalização.
Art. 68 da CLT: O trabalho em domingo, seja total ou parcial, na forma do art. 67, será sempre subordinado à permissão prévia da autoridade competente em matéria de trabalho.
Parágrafo único: A permissão será concedida a título permanente nas atividades que, por sua natureza ou pela conveniência pública, devem ser exercidas aos domingos, cabendo ao Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, expedir instruções em que sejam especificadas tais atividades. Nos demais casos, ela será dada sob forma transitória, com discriminação do período autorizado, o qual, de cada vez, não excederá de 60 (sessenta) dias.
Art. 68 da CLT: Fica autorizado o trabalho aos domingos e aos feriados.
§1º: O repouso semanal remunerado deverá coincidir com o domingo, no mínimo, uma vez no período máximo de quatro semanas para os setores de comércio e serviços e, no mínimo, uma vez no período máximo de sete semanas para o setor industrial.
§2º: Para os estabelecimentos de comércio, será observada a legislação local.
Art. 70 da CLT: Salvo o disposto nos artigos 68 e 69, é vedado o trabalho em dias feriados nacionais e feriados religiosos, nos termos da legislação própria. Art. 70 da CLT: O trabalho aos domingos e aos feriados será remunerado em dobro, exceto se o empregador determinar outro dia de folga compensatória.
Parágrafo único: A folga compensatória para o trabalho aos domingos corresponderá ao repouso semanal remunerado.
Art. 75 da CLT: Os infratores dos dispositivos do presente Capítulo incorrerão na multa de cinquenta a cinco mil cruzeiros, segundo a natureza da infração, sua extensão e a intenção de quem a praticou, aplicada em dobro no caso de reincidência e oposição à fiscalização ou desacato à autoridade.
Parágrafo único: São competentes para impor penalidades, no Distrito Federal, a autoridade de 1ª instância do Departamento Nacional do Trabalho e, nos Estados e no Território do Acre, as autoridades regionais do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio.
Art. 75 da CLT: Os infratores dos dispositivos deste Capítulo incorrerão na multa prevista no inciso II caput do art. 634-A.
Art. 319 da CLT: Aos professores é vedado, aos domingos, a regência de aulas e o trabalho em exames. REVOGADO
Art. 385 da CLT: O descanso semanal será de 24 (vinte e quatro) horas consecutivas e coincidirá no todo ou em parte com o domingo, salvo motivo de conveniência pública ou necessidade imperiosa de serviço, a juízo da autoridade competente, na forma das disposições gerais, caso em que recairá em outro dia.
Parágrafo único: Observar-se-ão, igualmente, os preceitos da legislação geral sobre a proibição de trabalho nos feriados civis e religiosos.
REVOGADO
Art. 386 da CLT: Havendo trabalho aos domingos, será organizada uma escala de revezamento quinzenal, que favoreça o repouso dominical. REVOGADO
Art. 1º da Lei nº 605/49: Todo empregado tem direito ao repouso semanal remunerado de vinte e quatro horas consecutivas, preferentemente aos domingos e, nos limites das exigências técnicas das empresas, nos feriados civis e religiosos, de acordo com a tradição local. Art. 1º da Lei nº 605/49: Todo empregado tem direito a um descanso semanal remunerado de vinte e quatro horas consecutivas.
Art. 8º da Lei nº 605/49: Excetuados os casos em que a execução do serviço for imposta pelas exigências técnicas das empresas, é vedado o trabalho em dias [de] feriados, civis e religiosos, garantida, entretanto, aos empregados a remuneração respectiva, observados os dispositivos dos artigos 6º e 7º desta lei. REVOGADO
Art. 9º da Lei nº 605/49: Nas atividades em que não for possível, em virtude das exigências técnicas das empresas, a suspensão do trabalho, nos dias [de] feriados civis e religiosos, a remuneração será paga em dobro, salvo se o empregador determinar outro dia de folga. REVOGADO
Art. 10 da Lei nº 605/49: Na verificação das exigências técnicas a que se referem os artigos anteriores, ter-se-ão em vista as de ordem econômica, permanentes ou ocasionais, bem como as peculiaridades locais.
Parágrafo único: O Poder Executivo, em decreto especial ou no regulamento que expedir par[a] fiel execução desta lei, definirá as mesmas exigências e especificará, tanto quanto possível, as empresas a elas sujeitas, ficando desde já incluídas entre elas as de serviços públicos e de transportes.
REVOGADO
Art. 12 da Lei nº 605/49: As infrações ao disposto nesta Lei serão punidas, com multa de R$ 40,25 (quarenta reais e vinte e cinco centavos) a R$ 4.025,33 (quatro mil e vinte e cinco reais e trinta e três centavos), segundo a natureza da infração, sua extensão e a intenção de quem a praticou, aplicada em dobro no caso de reincidência e oposição à fiscalização ou desacato à autoridade. Art. 12 da Lei nº 605/49: As infrações ao disposto nesta Lei serão punidas com a aplicação da multa administrativa prevista no inciso II do caput do art. 634-A da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1943.
Art. 6º da Lei nº 10.101/2000: Fica autorizado o trabalho aos domingos nas atividades do comércio em geral, observada a legislação municipal, nos termos do art. 30, inciso I, da Constituição.
Parágrafo único: O repouso semanal remunerado deverá coincidir, pelo menos uma vez no período máximo de três semanas, com o domingo, respeitadas as demais normas de proteção ao trabalho e outras a serem estipuladas em negociação coletiva.
REVOGADO
Art. 6º-A da Lei nº 10.101/2000: É permitido o trabalho em feriados nas atividades do comércio em geral, desde que autorizado em convenção coletiva de trabalho e observada a legislação municipal, nos termos do art. 30, inciso I, da Constituição. REVOGADO
Art. 6º-B da Lei nº 10.101/2000: As infrações ao disposto nos arts. 6º e 6º-A desta Lei serão punidas com a multa prevista no art. 75 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.
Parágrafo único: O processo de fiscalização, de autuação e de imposição de multas reger-se-á pelo disposto no Título VII da Consolidação das Leis do Trabalho.
REVOGADO

Obras consultadas

  • DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 17. ed. obra revista, atualizada e ampliada, conforme Lei n. 13.467/17 e MPr. n. 808/17. São Paulo: LTr, 2018, p. 1.137-1.151.
  • DIAP elabora nota técnica sobre a controversa MP 905/19. Disponível em: https://www.diap.org.br/index.php/noticias/agencia-diap/29155-diap-elabora-nota-tecnica-sobre-a-controversa-mp-905-19. Acesso em: 18.11.2019.
  • LIMONGI, Fernando. Presidencialismo do desleixo. In: Revista Piauí, v. 158, ano 14, novembro: 2019, p. 40-43.
  • MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 35. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 869-887.
  • NOTA TÉCNICA: O novo desmonte dos direitos trabalhistas – a MP 905/2019. São Paulo: DIEESE, nº 215, nov. 2019. Disponível em: https://www.dieese.org.br/notatecnica/2019/notaTec215MP905.html. Acesso em: 18.11.2019.
  • SAAD, Eduardo Gabriel. CLT Comentada. 46. ed. atualizada, revista e ampliada por José Eduardo Duarte Saad e Ana Maria Saad Castello Branco. São Paulo: LTr, 2013, p. 184-191.
  • VIANNA, Cláudia Salles Vilela. Manual Prático das Relações Trabalhistas. 12. ed. São Paulo: LTr, 2014, p. 326-338.